
Encho-me de coragem, fixo o meu olhar no espelho...não é para me barbear, não! É mais para um exercício freudiano, tipo uma experiência de autoanálise! Uma pessoa sábia avisou-me para os riscos que corria. Quanto a esse facto estava precavido, acreditem, não me iria atirar contra o vidro, tinha a noção de que me podia mesmo magoar, e gravemente.
Nesta altura, vocês já se devem estar a rir, também acredito, que, o caso não é para menos. Para o que me havia de dar. Mas, também é verdade que, ao fazer este exercício, não desgosto de todo daquilo que estou a fazer, a observar. Até porque a fazer fé no que alguns dos meus amigos mais chegados me dizem quando comigo se encontram. “Estás na mesma, pá!” Fico sempre a pensar se o estar na mesma se referem ao dia anterior ou aos muitos anos que por mim já passaram. E, na verdade, ao olhar-me no espelho, verifico que mentalmente não estou muito mal, mas já agora, fisicamente as mazelas são notórias. De repente, inesperadamente, aparece uma palavra e não parece só uma simples palavra, esta tem uma força enorme: desiste! O que é que tenho, que não o possa fazer, há muito tempo que me declararam pessoa não prestável. Entretanto, acenam-me com o voluntariado... Não tenho nada contra, mas parece-me mais uma exploração. Vou desistir de quê? De caminhar por cima dos muros para manter o equilíbrio e não ser apanhado por uma queda fatal, desistir dos amigos?
Que ideia! Esta é uma luta, para que amigo não se torne só uma palavra, que nos fica bem enunciar quando nos sentimos isolados. Desistir do sexo, daquele que o orgasmo era uma dádiva mútua, e não um favor para se manter uma ilusão. Desistir antes de começarmos a vegetar e sermos apanhados por alguma doença que ninguém controla, mas todos faturam. Vou-me deixar ir descontroladamente, apagando os sonhos meus ou guardados num quarto bem escuro, como castigo para a minha incompetência, quando não fui capaz de os concretizar. Desistir, com caraças, é mesmo uma palavra bem forte! E a chuva e o sol, hei! E as memórias, e, quando vais cozinhar? E os caminhos? Como é que vai ser? E, o fim da guerra? E o after war? Já agora, e o amor? Esse não morre! Vá lá, um pouco de juízo não te vai fazer mal.
De repente, desvio o olhar e vejo o meu cão sentado, de olhar fixo na minha pessoa. Como alguém que me diz... Eh pá, está na hora de irmos caminhar se não queres ter de limpar a porcaria que eu possa fazer. Ligo-me às notícias e pergunto-me como é que seria com a música? Com os livros? Porra, aqui ninguém desiste e enquanto tivermos amigos a dizer-nos “Empurra!”.
Nas músicas, “Soft Machine”. Experimentem!
Nos livros, Heinrich Böll, prémio Nobel de Literatura de 1972, deixou-nos esta obra “Fim de uma Viagem”.
Esta história por enquanto é só ficção.

