Transportado nas patas de uma abelha, o pólen dos amentilhos, com aquele cheiro adocicado, acabou de cair sobre a cápsula espinhosa do broto de um ramo. As três irmãs nasceram no berço da flor e começaram a ocupar lentamente o espaço disponível. Sentiam-se aconchegadas, mas sabiam que teriam de fazer pela vida, para não ficarem magricelas. Já tinham ouvido falar de algumas antepassadas distraídas que tinham ficado minúsculas, espalmadas e inúteis.
A contrastar com a doçura do ambiente interior, o palácio começou a ganhar paredes de espinhos, cada vez mais espinhos. Remédio santo para bicos vorazes de pássaros, bocas de bichos de pescoço alto, ou de humanos impacientes. Ali, o tempo é o senhor e a proporção é a regra. Cada uma cresce à medida das outras e à medida da chuva que primeiro cai e do sol que brilha depois. Nenhum deles as apoquenta, porque o palácio é estanque. Na primavera até tiveram direito a música, provinda da orquestra do casal de melros que montou casa no ramo de cima.
Chega o outono. À pancada, ou pela ordem natural das coisas, quando se romperem as paredes bicudas do palácio, as manas ficarão deslumbradas com o primeiro sol que virem. As três irmãs – martaínhas, judias, longais e outras que tais – sairão pela porta que se abrir e encantarão o mundo com o seu castanho reluzente. Mãos ávidas de mulheres e homens, devidamente protegidas por luvas impenetráveis, juntá-las-ão a milhares de irmãs suas, primeiro numa cesta e depois num saco, depois…
O que se segue ainda não o viveram, mas sabem-no por tradição genética. Umas divertirão crianças que as encostam às brasas da lareira para as ouvirem estourar perigosamente. Outras cairão no assador do homem das feiras, de onde sairão, quentes e boas, noivas esbranquiçadas de cinza, salgadas e vestidas em papel de jornal. Outras adormecerão debaixo de montes de caruma para alegrar bem regados magustos de S. Martinho. Cozidas, secas, farinhadas, congeladas, a vida prossegue assim.
Houve tempo em que elas eram uma das bases da alimentação europeia. Aí pelo ano 1570 chegaram das américas umas fulanas arredondadas e compridas que lhes roubaram o posto. Mas não se podem comparar. Elas – as martaínhas, judias, negrais e outras que tais - crescem lá bem no alto, junto ao azul do céu e ao verde das folhas, enquanto as badalhocas das batatas engordam debaixo do chão estrumado.
Hoje termino a crónica com um desafio. Complete a última palavra do seguinte ditado, para confirmar o nome do fruto de que se fala nesta crónica.
“Cruas, assadas, cozidas ou engroladas, com todas as manhas, bem boas são as …”