Há cidades que crescem. Outras crescem na cabeça das pessoas. E depois… há São João da Madeira.
O nosso concelho continua com os mesmos 7,94 km² — freguesia e concelho no mesmo pacote — mas aquilo que fomos outrora, como referência regional, parece ter ficado lá atrás, num passado que continua teimosamente presente.
Durante anos fomos reconhecidos por sermos territorialmente pequenos, mas com um impacto gigante — de causar “inveja”. Uma cidade inovadora, vanguardista, com capacidade de se afirmar num território rodeado de vizinhos maiores e com mais recursos. Hoje, olho à volta e pergunto: continuamos assim?
Temos de ser francos e críticos: atualmente deixámos de ser um polo de atração regional. Deixámos de ser o centro das decisões, das ideias, da inovação. Enquanto outros concelhos apostam em novas centralidades — com universidades, zonas industriais acessíveis, polos turísticos, grandes equipamentos desportivos ou uma oferta cultural de rua vigorosa — nós vamos andando, muitas vezes à boleia do que foi feito há décadas. E isso não chega. Desculpem, não “basta”!
Ora, se uns têm o território, nós tínhamos de ter o rasgo.
Se uns têm acessos diretos à A1, nós precisávamos de ter soluções inteligentes de mobilidade.
Se uns têm universidades, nós tínhamos de ter centros de experimentação tecnológica, laboratórios, mais incubadoras, iniciativas culturais que honrassem as nossas raízes e valorizassem a nossa identidade, ou mesmo zonas urbanas modelo.
O que fizemos nós de realmente diferente nos últimos anos?
Faço aqui um exercício simples — o leitor que me perdoe a ousadia — mas pergunto-lhe diretamente: o que vê de diferente na sua cidade nos últimos anos?
E atenção, não falo de manutenção ou de um banco novo no parque. Falo de visão. De futuro. De estratégia para o médio e longo prazo. Falo de rasgo.
Já pensámos, por exemplo, no que queremos da nossa cidade para daqui a 10 anos?
Queremos atrair e fixar jovens ou vamos continuar a vê-los partir para concelhos vizinhos?
Queremos mais habitação social, ou habitação acessível para quem quer cá viver?
Queremos uma cidade amiga da mobilidade suave ou uma cidade onde passeios e estradas são obstáculos dignos de desportos radicais?
Temos zonas industriais com potencial, mas com acessibilidades que deixam a desejar. Para quando, por exemplo, um nó de acesso à IC2 que ligue diretamente à zona industrial das Travessas?
Temos espaços verdes que podem ser potenciados, mas que permanecem quase invisíveis.
E as instalações desportivas? As piscinas?
Que novo projeto mobilizador colocámos em cima da mesa? Onde está o tal rasgo?
Parece que parámos no tempo. Quando, na verdade, podíamos ser uma smart city de “bolso” — pequena, mas altamente tecnológica e eficiente. Um verdadeiro laboratório urbano, onde se testavam soluções, se promoviam ideias novas, e onde os jovens encontravam motivos para ficar.
O mundo está a mudar. A sociedade está mais exigente. As cidades devem ser mais inclusivas, sustentáveis, conectadas e participadas.
Não se trata apenas de “governar bem”. Trata-se de governar com visão. E, principalmente, com coragem para fazer diferente.
São João da Madeira pode — e deve — liderar pela diferença. Mas, para isso, é preciso parar e refletir. Pensar no que fomos, no que somos e no que queremos ser. E não, não basta dizer que “já fomos muito bons”.
Não devemos esquecer que, em 2010, foi-nos atribuído o título de melhor cidade do país para se viver. Em simultâneo, alcançámos o primeiro lugar em termos de acessibilidade e transportes, melhores espaços verdes e maior limpeza de ruas.
E no parâmetro da felicidade — o único avaliado apenas com base em informações obtidas junto dos habitantes — os são-joanenses, há 15 anos, eram os mais satisfeitos com a vida em geral na sua cidade. (Estudo do Intec).
E agora?
A verdadeira mudança começa quando a reflexão é acompanhada de ação. E essa ação tem de nascer da cidadania, mas também da política. Porque exigir mais é um direito. E, neste caso, um dever.
Então, e agora? Vamos mesmo continuar a fingir que está tudo bem? Ou vamos — finalmente — refletir?