Opinião

O escultor que mudou S. João da Madeira

• Favoritos: 65


No processo de desenvolvimento de S. João da Madeira, sobretudo no período que se seguiu à conquista da nossa independência administrativa, alcançada a 11 de outubro de 1926, os homens que tiveram nas suas mãos as rédeas do poder local procuraram não descurar o embelezamento do concelho. As cidades onde iam buscar inspiração, e que eles tão bem conheciam, estavam repletas de estátuas, bustos e outros monumentos, construídos para representar o passado, perpetuar a memória, homenagear cidadãos que, pelos seus feitos, tinham contribuído de forma significativa para o bem da terra.
Ora, na então vila de S. João da Madeira, para além do património da paróquia, em que se incluem Igreja Matriz, capelas, cruzeiros, cemitérios e alminhas, o único elemento que, ao ser criado, tinha também como objetivo embelezar, era o chafariz da Praça, oferecido à freguesia por António Moreira da Silva (Dourado), no longínquo ano de 1877, e que agora se encontra na praceta fronteira à Biblioteca Municipal.
Depois da emancipação concelhia, um grupo de sanjoanenses decidiu prestar homenagem ao dr. Maciel Leite de Araújo, distinto e caridoso médico, que muito se consagrou ao engrandecimento da sua terra. À data do seu falecimento, a 2 de janeiro de 1907, pensou-se que a melhor forma de perpetuar a sua memória seria atribuir o nome dele ao hospital que aqui se tencionava construir. Porém, esse desejo não se concretizou. Foi com um medalhão de bronze, com a efígie do dr. Maciel, assente em duas colunas estriadas de granito e inaugurado num dia chuvoso de outubro de 1930, que o médico dos pobres foi homenageado. O projeto do monumento tem a assinatura do arquiteto Jorge Segurado e o medalhão é da autoria dessa figura marcante da escultura portuguesa que foi Leopoldo de Almeida. Uma preciosidade em duplicado, já que o túmulo do médico, no Cemitério N.º 1, possui um idêntico.

O escultor Henrique Moreira, no seu atelier, numa fase da execução do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, de S. João da Madeira

Entretanto, por altura da comemoração, em S. João da Madeira, do décimo aniversário do Armistício, a 18 de novembro de 1928, a delegação local da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, presidida pelo dr. Renato Araújo, procedeu ao lançamento da primeira pedra do monumento que iria perpetuar a memória dos soldados sanjoanenses mortos em combate na I Guerra Mundial. Iniciou-se então o processo de angariação de fundos para custear o projeto, que haveria de ser encomendado ao arquiteto Agostinho Ribeiro da Fonseca, diretor da Escola de Artes e Ofícios de Palmaz. De acordo com O Regional de 9 de março de 1930, o arquiteto dizia que o Monumento a erigir em S. João da Madeira, embora simples, deve ser diferente dos já feitos, para criar mais gosto pela arte e fugir da monotonia. Depois de apresentado, o projeto não terá agradado à delegação local da Liga e, por isso, o monumento ficou, como é comum dizer-se, em banho-maria.
Quando a velha capela de Santo António foi demolida, em 1934, para em seu lugar ser construída uma nova, de linhas modernas, a comissão encarregue da construção entregou a sua conceção ao arquiteto João Marcelino Queirós, da cidade do Porto, onde os edifícios do café Magestic e dos cinemas Olímpia e Trindade, entre muitos outros, são de sua autoria. Em S. João da Madeira, a residência de Manuel Leite da Silva Garcia, onde agora se encontra instalado o Colégio Santa Filomena, tem igualmente a assinatura do arquiteto.
Durante a sua formação, na Escola de Belas Artes do Porto, João Queirós conheceu o escultor Henrique Araújo Moreira e é com ele que conta para o embelezamento das suas obras arquitetónicas, de que são exemplo os baixos-relevos dos cinemas atrás referidos e da famosa águia do Magestic. A nova capela de Santo António, inaugurada a 13 de outubro de 1935, não fugiu à regra. A estátua do Santo Padroeiro que ressalta do grande nicho, embutido na empena da fachada do templo, tem a assinatura de Henrique Moreira.
Nos anos que se seguem, os nomes do arquiteto e do escultor vão ficar profundamente e para sempre ligados à história de S. João da Madeira. O Monumento aos Mortos da Grande Guerra, inaugurado a 11 de novembro de 1937, é obra de Henrique Moreira. Dele é também o grande Cristo-Crucificado, esculpido em mármore, da capela de Nossa Senhora dos Milagres que, por sinal, é da autoria do arquiteto João Queirós.
O escultor voltaria a S. João da Madeira em 1939, para assistir à inauguração de duas obras que testemunham o seu enorme talento: em abril, os bustos de Francisco José Luís Ribeiro e de António José de Oliveira Júnior, assentes cada um deles em base de granito, colocados no recinto do antigo Hospital e que hoje se encontram no jardim frontal da Santa Casa da Misericórdia; em dezembro, a estátua do Conde Dias Garcia, descerrada no mesmo local onde está hoje, ou seja, na praça que tem o nome do benemérito. Sobre estas peças, alguém, com conhecimento de causa, disse: Se é verdade que os bustos reproduzem fielmente os homenageados, a estátua é o próprio Conde!
E não se ficou por aqui a “pegada” deixada por Henrique Moreira em S. João da Madeira. Em outubro de 1964, era inaugurada a última obra do escultor neste concelho, o busto com que a autarquia homenageou António Henriques. A escultura encontra-se no mesmo local onde foi descerrada, junto do edifício dos Paços do Concelho.
Henrique Araújo Moreira faleceu no Porto, em 16 de fevereiro de 1979, com 89 anos de idade. Nas Belas Artes, foi discípulo de António Teixeira Lopes. Após a conclusão da licenciatura, passou a trabalhar no atelier do “Mestre”, seguindo, poucos anos depois, um caminho autónomo. As suas obras escultóricas estão espalhadas pelo País, com especial incidência no Porto. Algumas delas bem conhecidas de todos nós, como Os Meninos, na Avenida dos Aliados, o Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, na Rotunda da Boavista ou O Lobo do Mar, na Foz do Douro.

65 Recomendações
790 visualizações
bookmark icon