Opinião

Cúmplice da inflação, o governo perde credibilidade

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Quando recebeu a maioria absoluta, António Costa prometeu diálogo e recuperação dos rendimentos de quem trabalha. O teste da realidade começou depois: António Costa está a faltar ao prometido. Não porque lhe faltem condições políticas: maioria absoluta no parlamento, um governo de fiéis. A desgraça na Saúde não tem resposta mas lá serviu para afastar uma ministra que nunca caiu nas boas graças dos hospitais privados. Pedro Nuno Santos saiu diminuído do imbróglio do aeroporto. Cada vez mais unipessoal, o governo foi empurrando o problema maior: ao longo deste ano, os trabalhadores terão perdido um mês de salário e nada foi feito para conter o empobrecimento pela inflação. Só este ano, a recusa pelos patrões de aumentos salariais faz voar com a inflação o equivalente a um mês de rendimento dos trabalhadores. E o mau exemplo vem de cima: é António Costa o primeiro a recusar aumentos ao nível da inflação para os trabalhadores do Estado (o que apenas manteria o poder de compra dos trabalhadores).
Para piorar o caso, António Costa junta à sua passividade um problema crescente de credibilidade. Fala do “maior aumento de sempre das pensões”, mas os reformados já perceberam que vão ficar mais pobres. Com o que já perderam em 2022 e o que perderão a partir de 2024 graças à alteração da lei pelo PS (a mesma lei que, há apenas três meses, Costa prometia manter para proteger o poder de compra dos pensionistas), os pensionistas sofrerão um corte real. O governo fala de redução da taxa de IVA da eletricidade mas ela aplica-se a menos de metade de uma fatura normal. O governo fala de apoio às empresas, mas metade do dinheiro são empréstimos a juros. Truques de perna curta que deixam à vista a opção pela austeridade como resposta à crise.

Taxar os lucros excessivos? “Só se a Europa obrigasse”

Só no último ano e meio a banca, a energia e a distribuição alimentar registaram lucros recorde de seis mil milhões de euros. Perante tal cenário, o ministro da Economia afirmou esta semana que as empresas “não estão preparadas” para uma taxa sobre os lucros excessivos. A sensibilidade social do governo está concentrada nos que querem continuar a acumular com a desgraça do povo.
Sempre muito preocupado, o governo garante “estudar” os preços praticados na grande distribuição. Deixo aqui uma pequena ajuda para o estudo, a partir dos dados compilados pelo economista Eugénio Rosa. Na primeira metade de 2022, as vendas do Pingo Doce aumentaram 20% face ao primeiro semestre de 2021 mas os lucros aumentaram 84%. No Continente, as vendas cresceram apenas 8%, mas os lucros mais do que duplicaram: 108%! A subida dos preços acontece, em grande medida, pelo aumento especulativo das margens de lucro da Jerónimo Martins e a Sonae (que controlam estas companhias), no pior momento de quebra de poder de compra dos salários, sob a pressão dos custos com energia (combustíveis, gás) e de habitação (rendas, juros bancários). Também nestes setores, a guerra e a inflação são usadas como pretexto para um efetivo aumento das margens de lucro.
Uma coisa é certa, esta sensibilidade social do PS é diligentemente partilhada pela oposição de direita. Montenegro, Ventura e os liberais revezam-se a apoiar Costa na rejeição da tributação dos lucros excessivos, na recusa de aumentos salariais (decerto que as empresas também “não estão preparadas" para tal) ou na repetição do bordão acerca da sustentabilidade da Segurança Social que argumenta o corte das pensões e a abertura do caminho à privatização da previdência.
Como há dez anos, quando o PS praticava a “abstenção violenta” face às medidas de Passos Coelho e Paulo Portas, o povo só pode contar com a sua própria mobilização para travar uma gigantesca manobra de concentração de riqueza na sociedade. Não será fácil, mas não há atalhos. As maiorias absolutas também podem ser derrotadas.

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