Os dados foram divulgados no Dia Mundial de Luta Contra a Tuberculose, assinalado na última terça-feira, dia 24, e revelam que, em 2023, Portugal registou 1.584 casos de tuberculose, mantendo a taxa de notificação em 14,9 casos, por 100 mil habitantes. As regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte foram aquelas que apresentaram as maiores incidências, segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS).
De acordo com o relatório de vigilância e monitorização da tuberculose em Portugal, verifica-se que, relativamente à evolução do número de casos notificados e da taxa de notificação anual, por 100 mil habitantes, S. João da Madeira registou 15 casos, entre 2019 e 2023, o que equivale a uma taxa de notificação de 13,16%. Em Santa Maria da Feira, no mesmo período, os números rondam os 94 casos, com uma taxa de 13,69%. Ovar registou 24 casos, com uma taxa de 8,64%, e a cidade de Aveiro contabilizou 44 casos, com uma taxa de 10,66%.
No que diz respeito ao distrito de Aveiro, a taxa de notificação da tuberculose, por 100 mil habitantes, no quinquénio, foi de 415 casos, sendo 393, no período entre 2018 e 2022, e 376, entre 2019 e 2023. De acordo com a Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga (ULS EDV), sediada no Hospital de Santa Maria da Feira, confirma à nossa reportagem que em 2024 a ULS registou 23 casos de tuberculose e em 2025 (até março) foram contabilizados sete casos.
Recorde-se que esta ULS gere todas as unidades de saúde públicas desse concelho, e também dos de S. João da Madeira, Arouca, Oliveira de Azeméis, Ovar e Vale de Cambra, num universo de cerca de 300.000 utentes.
A tuberculose pode ser prevenida e tratada eficazmente
Para a pediatra/pneumologista infantil Joana Cardoso, a tuberculose mantém-se, atualmente, como uma das “10 principais causas de morte a nível mundial”, sendo que, no ano de 2022, em todo o mundo, foram notificados 10,6 milhões de casos, cerca de 12% destes, em crianças, com idade igual ou inferior a 15 anos. “A tuberculose pode ser prevenida e tratada eficazmente, sendo o rastreio e tratamento profilático as formas mais eficazes para reduzir a sua incidência.” Sublinha que, em 2016, em Portugal, a vacinação com BCG passou de universal a seletiva, tendo em conta a redução sustentada da incidência de tuberculose em Portugal, e segundo as recomendações da Organização Mundial de Saúde. “Ainda assim, mantém-se a necessidade de identificar, ao nascimento, todas as crianças com critérios de elegibilidade para a sua administração”, realizada nos Centros de Saúde, uma vez que a eficácia desta vacina, no impedimento do desenvolvimento de formas graves, está correlacionada com a precocidade da sua administração. “Quando mais precocemente administrada em casos elegíveis, menor a probabilidade de evolução para doença grave”, destaca Joana Cardoso.
Por seu turno, Miguel Costa, também pediatra, enfatiza que a tuberculose na criança “apresenta-se habitualmente na sua forma pulmonar. Sintomas como tosse persistente, com duração superior a duas semanas, sem melhoria, febre prolongada sem outra causa explicável e perda de peso, devem-nos fazer pensar nesta patologia”. O pediatra conta que a presença de sintomas é mais comum nas crianças abaixo dos cinco anos ou acima dos 10. “Entre os 5 e os 10 anos, a doença pode ser silenciosa, apenas com alterações na radiografia torácica. O exame objetivo é habitualmente normal, com alterações que podem ser muito inespecíficas, semelhantes a outras infeções respiratórias, comuns nas crianças”, acrescenta. Estes pediatras partilham a opinião de que, com o aumento do número de migrantes, muitos dos quais provenientes de países com alta taxa de incidência por tuberculose, “é essencial mantermos uma alta taxa de suspeição na nossa prática diária, bem como uma política de rastreio e tratamento profilático adequados”, remata o pediatra.
Também o documento da DGS, refere que a população migrante continua a ser a mais vulnerável, com uma taxa de notificação 3,6 vezes superior à média nacional (54,3 casos por 100 mil migrantes em 2023). Além disso, houve um aumento na proporção de casos, passando de 30% em 2022 para 35,8% em 2023.
“O diagnóstico de tuberculose em crianças apresenta desafios significativos”


Isabel Carvalho, Diretora do Programa Nacional para a Tuberculose da DGS, explicou a O Regional que a doença em idade pediátrica, em 2023, em Portugal, registou um total de 45 casos de tuberculose em crianças (27 no grupo de 0 a 5 anos, e 18 no grupo de 6 a 14 anos), representando 2,8% do total de casos notificados no país. No grupo de 0 a 5 anos, diz que se verificou uma diminuição da incidência, passando de 6,2 casos por 100 mil, em 2022 para 5,2 casos, por 100 mil nesse mesmo ano, “um decréscimo significativo que indica melhoria no controle da doença neste grupo etário”. A pediatra e responsável também pela consulta de Pneumologia Pediátrica e de Tuberculose Infantil da Unidade Local de Saúde Gaia e Espinho (ULSGE) acrescenta que a taxa de incidência para o grupo de 6 a 14 anos foi de 2,1 casos, por 100 mil crianças. Revela que o distrito de Lisboa foi aquele que concentrou “o maior número de casos” em ambos os grupos etários, respondendo por 44,4% dos casos no grupo de 6 a 14 anos, e 29,6% no grupo de 0 a 5 anos.
"A centralização dos casos em centros de referência torna-se uma ferramenta essencial na abordagem da criança"
Isabel Carvalho diz ainda a O Regional que a tuberculose pulmonar foi a forma mais comum, correspondendo a 55,6% dos casos, no grupo de 6 a 14 anos, e 77,8%, no grupo de 0 a 5 anos. “Destaca-se que 11% no grupo de 0 a 5 anos estavam vacinadas com BCG. O diagnóstico de tuberculose em crianças apresenta desafios significativos. A centralização dos casos em centros de referência torna-se uma ferramenta essencial na abordagem da criança”, rematou.
De acordo com a Direção-Geral de Saúde (DGS), em 2023, a tuberculose afetou, predominantemente, os homens (68,3% dos casos), com 2,8% dos casos a ocorrerem em crianças e adolescentes, abaixo de 15 anos. O tempo médio, até ao diagnóstico, foi de 81 dias, uma ligeira melhoria face aos anos anteriores, mas ainda elevado, o que pode contribuir para a propagação da doença. Houve também um aumento nos casos de tuberculose multirresistente, especialmente em Lisboa e Vale do Tejo.
De salientar que, em 2024, a Direção-Geral da Saúde revelou que o Programa Nacional para a Tuberculose em Portugal implementou várias ações relevantes. A mais significativa foi a reestruturação dos cuidados de saúde, com a transformação das consultas de tuberculose em Consultas Respiratórias na Comunidade, garantindo uma resposta próxima ao doente e à comunidade, além de ser uma resposta especializada para casos complexos e multirresistentes.