Sociedade

Hortalices: Aromáticas III: Três amigas cheirosas, saborosas e poéticas

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Nem eu imaginava em que me ia meter. Escolhi para assunto desta crónica três das aromáticas silvestres mais enraizadas na cultura portuguesa: o alecrim, o rosmaninho e o tomilho. Quando comecei a investigar, percebi que, sozinho, não conseguia abarcar a vastidão do saber já produzido sobre estas três plantinhas. Resolvi pedir ajuda.
Comecei por falar com um cozinheiro famoso, um chef, como agora se diz. O homem retorceu as pontas do bigode – do bigode dele, não do meu – e perorou, “um peru de Natal sem alecrim não é bem peru de Natal, será uma avestruz depenada, mas não um peru. O borrego e o cabrito são animais versáteis: tanto gostam do rosmaninho em vida como depois de mortos. Entenda-se que, depois de mortos, quem os come somos nós, a eles e ao rosmaninho do tempero. O tomilho não é esquisito, vai bem com carne, com peixe e até com doçaria.”
Confesso que fiquei com algum apetite, mas, depois desta simplificada lição de culinária, falei com um naturopata, uma espécie de ervanário diplomado, capaz de encontrar solução para os excessos que os cozinheiros nos obrigam a cometer. Quando lhe falei de alecrim, o homem arregalou os olhos, e simplificou, “o senhor quer que eu lhe fale MESMO das propriedades do alecrim?” Perante a ameaça de ter que ficar horas a ouvir a dissertação, fui adiantando, “…e também gostava de saber alguma coisa do rosmaninho e do tomilho.” “Bem, meu amigo, já percebi que o senhor quer saber demais, mas sempre lhe digo que, se conseguir aproveitar todas as propriedades dessas três plantinhas, até pode aspirar à imortalidade”. Fiquei aturdido com a resposta e passei à frente. Com quem hei de falar agora? Lembrei-me então dos poetas, que são as pessoas mais sábias entre aquelas que nada sabem.
Primeiro, falei com o povo e a resposta não tardou. “Alecrim, alecrim aos molhos / por causa de ti, choram os meus olhos. Alecrim, alecrim doirado, que nasces no monte sem ser semeado”. Entre as lágrimas e a verdade das coisas naturais, concluí que a sabedoria popular suplanta todo o saber de chefs e de naturopatas.
Mas tive que falar com mais dois poetas sobre as outras duas plantas. Fernando Pessoa, na sua clareza liminar, não deixou dúvidas: «Das flores que há pelo campo / O rosmaninho é rei...». Por seu lado, Florbela Espanca, habitante solitária da “Charneca em flor”, decidiu vestir à “moça mais linda do povoado … Um vestido de chita bem lavado / Cheirando a alfazema e a tomilho…”
Com a sugestão olfativa de Florbela, dei por terminada a investigação, apaziguado com a impossibilidade de satisfazer totalmente a minha curiosidade e a dos leitores. Mas consegui chegar a uma conclusão: estas três sabem bem, cheiram bem e são boas para fazer poemas.

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