Sociedade

Carlota Flor: De São João para o mundo, com as mãos na estética e (de)coração no conteúdo

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À primeira vista, o perfil de Instagram de Carlota Flor parece um catálogo de decoração nórdica com alma portuguesa. Mas basta espreitar as legendas, os vídeos curtos e os bastidores improvisados para perceber que ali mora mais do que estética.
Natural de Arrifana, uma freguesia discreta do concelho de Sta. Maria da Feira, Carlota Flor cresceu no seio de uma família que sempre valorizou a liberdade criativa. “Tive a sorte de ter pais que me deixaram escolher o que quisesse. Nunca me obrigaram a seguir um caminho mais convencional”, conta ao jornal ‘O Regional’. Essa liberdade, essa confiança silenciosa, plantou-lhe cedo uma semente que germinou em múltiplas formas: da dança à fotografia, do vídeo à pintura, da comunicação ao design.
Com apenas 14 anos, trocou a segurança dos lugares familiares pela cidade do Porto, onde foi estudar na Escola Artística Soares dos Reis. Mais tarde, emigrou aos 18 anos e de regresso a Portugal, trabalhou em projetos ligados às redes sociais, colaborou com marcas e, durante anos, criou conteúdos para outras empresas. Aprendeu a criar para os algoritmos, a editar vídeos para públicos-alvo, a delinear estratégias para contas que não eram suas.
Mas foi num momento de paragem que a sua própria voz começou a surgir. “Perdi o trabalho que tinha no Porto e voltei para S. João da Madeira. De repente, tinha tempo. E essa pausa deu-me espaço para olhar para a minha vida, para a casa nova que estava a construir”, e para tudo aquilo que referiu sempre ter gostava de fazer.

​​Da vida real para o digital

Sem querer criar uma personagem nem seguir uma linha editorial imposta, a estratega das redes sociais começou a partilhar no Instagram o processo de transformar a sua casa. “Tínhamos uma casa por terminar, zero orçamento para contratar alguém, mas muita vontade de a tornar nossa. E então fui pintando paredes, recuperando móveis, experimentando soluções DIY (Faça Você Mesmo). A internet era o nosso recurso e o que fazia sentido mostrar… mostrava”.
O público identificou-se com a estética acessível, com a transparência das partilhas, com o toque fora de catálogos e longe da perfeição impessoal que ainda povoa muitas contas de lifestyle.
“A casa é um reflexo de quem somos. Não quero que ela seja bonita só para o Instagram. Quero que tenha história, que seja funcional e que nos inspire a viver melhor”.
Hoje, Carlota Flor é uma referência no universo criativo de quem acredita que é possível viver (e mostrar) de forma simples, sustentável e acessível. O seu conteúdo vai muito além da decoração. Partilha feiras locais, lojas de segunda mão, sugestões culturais, reflexões e pequenas revoluções domésticas.
“Não sou minimalista no sentido estético, mas gosto de simplificar. E gosto de mostrar que é possível fazer muito com pouco.”
Num ecossistema digital que incentiva nichos e fórmulas, a influenciadora recusa o afunilamento. “Trabalhei anos com redes sociais e sei que o mercado pede um nicho, uma personagem, uma estética específica. Mas eu não consigo forçar nada. O meu conteúdo é reflexo do meu dia-a-dia. Se hoje pinto uma cadeira, amanhã posso estar a mostrar um passeio por uma feira”.
Para Carlota Flor, a criatividade não se mede em números, nem em likes. “Há tanta gente a criar, que não me faz sentido criar só por criar. Tento sempre que aquilo que partilho seja útil, mesmo que seja só para inspirar alguém a pegar num pincel ou sair de casa para ir a uma feira local.”

“Sinto que sou muito mais criativa desde que voltei para S. João da Madeira”

E se lhe perguntarmos sobre os desafios de estar fora dos grandes centros urbanos, responde com firmeza que “há uma ideia muito enraizada de que só em Lisboa e no Porto é que as coisas acontecem. Mas eu sinto que sou muito mais criativa desde que voltei para S. João da Madeira. Tenho mais acessibilidade, mais lojas, mais comércio local e menos distrações turísticas”.
“Não preciso de estar no centro para me sentir conectada. Hoje o digital permite que possamos trabalhar a partir de qualquer lugar. E gosto de mostrar que é possível construir coisas bonitas fora dos grandes centros.”
Esta decisão também se reflete na forma como partilha recursos locais, desde lojas de móveis usados, a mercados, padarias ou eventos culturais nas redondezas, fazendo uma ponte entre o digital e o território, tendo confessado ser em Espinho que se encontra a sua “feira favorita”.
Quando questionada sobre que conselho daria a quem quer começar a criar conteúdo digital, a criadora de conteúdos partilhou: “Outro dia fizeram-me essa pergunta e eu disse que era um bocadinho controverso, mas acho que todos temos medo do julgamento dos outros. Podemos dizer que não nos importamos, mas, no fundo, todos queremos pertencer, ser aceites, ou pelo menos não ser maltratados”.
Para ela, o mais importante é a intenção com que se começa e “pensar bem se aquilo que estão a partilhar é algo com que se sentem confortáveis a longo prazo. Porque, na verdade, nós não controlamos o alcance que o conteúdo pode ter. Eu, por exemplo, nunca pensei que este mês ia chegar a cinco milhões de pessoas”, reforçou.
“As pessoas interessantes são precisamente aquelas que se permitem parecer estúpidas de vez em quando”
Criar com consciência, mas também com coragem. “Se acreditam mesmo naquilo que querem fazer, façam com medo. A consistência é mesmo o segredo do negócio. E, no início, as pessoas à nossa volta vão ter muitas opiniões, muitas vezes negativas. Vivemos numa sociedade que tem muito medo de parecer estúpida, mas as pessoas que fazem coisas interessantes são precisamente aquelas que se permitem parecer estúpidas de vez em quando”.
Carlota Flor encoraja os mais novos a arriscarem, mas com noção. “Olhem para o que partilham com olhos de futuro. E desde que não magoem ninguém nem invadam a liberdade de outra pessoa, é só fazer. Mesmo com embaraço, mesmo com receio…”, porque as coisas boas, muitas vezes, nascem desse arriscar.
Num universo digital saturado de estímulos, a sua página é um refúgio visual. Ali, mostra como é possível ter uma casa confortável e agradável sem gastar muito, valorizando o que já existe.

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