
Chapéus, lápis, sapatos e até banheiras, gastroformas servidas em prato, são criadas pelas mãos experientes de Salomé Rocha (‘Byte Bistrô’ e ‘Massapão’) e Tiago Campos (‘A Tal da Pizza’), no âmbito do projeto Indústria à Mesa.
Jorge Baptista, do restaurante ‘Tudo aos Molhos’, é encarado por ambos como o pioneiro que os inspirou a desenvolver estes produtos, respondendo ao desafio lançado por Alexandra Alves, alusivos às principais áreas de atividade da cidade. Em declarações ao jornal ‘O Regional’, Jorge Baptista explicou a origem das gastroformas. “Nascem das mãos de uma sanjoanense, Andreia Correia Costa, uma das mais brilhantes representantes do Cake Design em Portugal. ‘Provocada’ pelo restaurante ‘Tudo aos Molhos’, desenvolveu várias gastroformas, aludindo sempre às principais áreas de atividade da cidade”, contextualizou. “Perante o interesse que estas confeções suscitaram nos media portugueses, logo percebemos que poderia ser um conceito que poderíamos partilhar com os nossos colegas da restauração e da panificação a operar na cidade”, adiantou Jorge Baptista. “Criamos, na verdade, o primeiro e único conceito gastronómico na história de S. João da Madeira que, ao longo dos últimos nove anos, fomos servindo no nosso restaurante, sobretudo perante forasteiros”, considerou, acrescentando que tentaram, também, criar um segundo conceito local – a Gastronomia Fabril, conceito esse inspirado no livro Unhas Negras. No entanto, este projeto está “em hibernação”, uma vez que “não captou o interesse da restauração”, “nem mesmo das autoridades locais”.
Incentivado por Jorge Baptista, do restaurante ‘Tudo aos Molhos’, a primeira gastroforma que Tiago Campos fez foi um chapéu pequenino de bolacha. Já o próprio Jorge Baptista, que Tiago Campos descreveu como sendo “pioneiro” dos produtos comestíveis na cidade, realçou que a entrada d’A Tal da Pizza no “agora rebatizado Indústria à Mesa” veio dar “um novo fôlego ao projeto”.
Tiago Campos recordou que, há uns anos, a Junta de Freguesia promoveu um concurso cujo objetivo passava por criar um doce tradicional de S. João da Madeira. “Inscrevi-me, criei os chapéus e o concurso não chegou a realizar-se; fiquei com aquilo, ali na gaveta. Ainda não tinha o meu negócio aberto, mas fiquei com o «bichinho»”, contou o sanjoanense. Quando abriu o restaurante ‘A Tal da Pizza’, decidiu, motivado também por Jorge Baptista, voltar a tentar criar produtos comestíveis alusivos à cidade. Até então, tem tentado, sempre, aperfeiçoar o seu processo criativo. “O próprio chapéu foi um processo. Fazia-o de forma artesanal, mas como queria produzi-los em maior quantidade, tinha que arranjar uma forma”, explicou, encontrando a solução numa base virada ao contrário, de levar ao forno, cujo propósito inicial servia para a confeção de mini-queques. “Muitas vezes, tenho ideias que são difíceis de executar. Há que pensar na parte funcional e «casar» bem os ingredientes”, acrescentou.
Após os chapéus, veio a criação do sapato, do lápis e, mais recentemente, da banheira. Desafiado a confecionar este último produto comestível em homenagem à empresa Oliva, no âmbito do projeto Indústria à Mesa, o sanjoanense teve que ter em conta a forma arranjada, direcionada para o frio e não para o calor. Pensou logo como tornar o produto identificável e em como equilibrar o sabor. “Chocolate branco – apesar de a qualidade que uso ser muito boa, há um senão: o chocolate é doce. Por isso, tenho de fazer um recheio para equilibrar esse sabor”, exemplificou Tiago Campos. Inicialmente, a primeira banheira foi confecionada em panacota de coco e baunilha, com pitaia a acompanhar para criar “uma conjugação interessante”. Já a última banheira, de chocolate branco, contou com diversos ingredientes, incluindo creme de maracujá e compota de framboesa. “A conjugação de tudo isto combina; tem acidez e, como não leva açúcar, o chocolate compensa. Consegue-se um equilíbrio fantástico”, descreveu. Desde a confeção até ao empratamento, caso o processo gastronómico fosse seguido sem tempos de refrigeração, confecionar este tipo de banheira demora, “no mínimo”, 10 horas.
“O resultado não pode ser apenas esteticamente bonito; tem de contar também com uma harmonia gastronómica”, realçou. Como trabalhou muitos anos na vertente da confeitaria, o empresário tem mais facilidade em aliar ambos os aspetos. “Não quero apresentar só uma coisa bonita. Quero apresentar uma sobremesa em que qualquer pessoa identifique a forma em questão e que fique rendida para provar novamente”, reforçou, acrescentando: “Quero que seja uma imagem de marca. Para isso, tem de criar impacto não só a nível visual, mas também de sabor.” Tiago Campos admitiu que há pessoas que ligam para o restaurante “a reservar um sapato”, algo que, para o sanjoanense, é “gratificante” e motivo de orgulho. Os clientes admiram as sobremesas atípicas, intrigadas e curiosas. “É fantástico. Significa que esta imagem de marca está a criar impacto”, observou.
Os projetos futuros já estão a ser pensados. Em coordenação com o Centro Tecnológico de Calçado, Tiago Campos gostaria de confecionar uma cartola comestível, uma imagem que simboliza a cidade devido à FEPSA, bem como a máquina de costura da Oliva. De alma profundamente bairrista, o sanjoanense inspira-se na imagem da sua cidade e enfatiza o “potencial” das gastroformas, nunca esquecendo o papel dos envolvidos, como Jorge Baptista e a diretora do Turismo Industrial, Alexandra Alves. “São pessoas que dão força para isto ainda estar vivo”, sublinhou Tiago Campos, adiantando que gostaria que S. João da Madeira fosse reconhecida como mais do que uma cidade de indústria. “Uma cidade aonde também se come um sapato, um chapéu, uns húngaros em forma de coelho”, enumerou.
“O olhar é que come.” As palavras da diretora de qualidade do restaurante ‘Byte Bistrô’, Salomé Rocha, descrevem bem o efeito visual das gastroformas. Sempre gostou do conceito da comida tradicional portuguesa com uma apresentação “engraçada”, em que o uso de produtos biológicos, como o alho, a salsa e a cebola, é privilegiado para uma melhor experiência gastronómica e para uma alimentação saudável. Foi na padaria ‘Massapão’ que Salomé Rocha mergulhou no mundo das gastroformas, inspirada pela iniciativa de Jorge Baptista. Recorda-se perfeitamente do primeiro produto comestível que fez: os húngaros, em formato sapato, chapéu, coelho e roldana, cada uma das criações com simbolismos relacionados com a indústria fabril da cidade sanjoanense. A título de exemplo, o coelho está relacionado com os chapéus, que são concebidos com o pelo deste animal.
O chapéu de broa de milho de homem e de mulher, o lápis confecionado com massa de cereais ou de girassol e as roldanas com massa de centeio alemão colocaram à prova a criatividade de Salomé Rocha e chamaram logo a atenção dos industriais de S. João da Madeira. Entre empresários e a população em geral, estas formas industriais comestíveis são vendidas durante o ano inteiro. “Fazemos estes produtos por encomenda, uma vez que dá muito trabalho. As pessoas ficam encantadas”, afirmou a diretora de qualidade, feliz. “A cidade não tem um prato característico e gostaríamos de trilhar esse caminho”, admitiu. Embora não seja natural de S. João da Madeira, sente-se sanjoanense na íntegra e tem orgulho de contar a história da cidade através das gastroformas.
O ‘Byte Bistrô’, situado na SANJOTEC, está inserido no meio tecnológico, perto do Centro Tecnológico de Calçado e do Centro de Formação Profissional da Indústria do Calçado. Os sapatos comestíveis atraem as atenções de quem por lá passa, mas Salomé Rocha não esquece a “dedicação” necessária para continuar a criar formas gastronómicas. “Tem de se ter uma veia criativa. O difícil é concretizar o que idealizamos na nossa cabeça”, declarou, entre risos. Ao longo do seu processo criativo, visualiza a ideia para depois desenhar um esboço da mesma. A primeira vez que fez um chapéu foi um desafio, mas, atualmente, coloca as mãos na massa de forma natural. “O maior desafio foi o da banheira”, constatou, referindo-se ao símbolo mais recente do projeto Indústria à Mesa, em homenagem à empresa Oliva. “Tinha receio de que as pessoas não identificassem o produto como uma banheira. Criei a banheira com ingredientes a simular água, bem como flores”, explicou, enumerando alguns deles, como gelatina e leite condensado.
Feliz com o resultado, Salomé Rocha admitiu que gosta de provocar-se a si própria. Foi por isso que criou os sapatos de mulher, uma vez que só existiam os de homem. “Gosto de espicaçar as mentes adormecidas. Gosto de surpreender e foi por isso que fiz o sapatinho da Cinderela”, exemplificou a diretora de qualidade, sublinhando que o impacto que as gastroformas criam no público é o que mais a motiva. “Os projetos morrem se não conseguirmos alimentá-los”, reforçou. Além do ‘Byte Bistrô’, até na própria padaria ‘Massapão’ o leque de pão é amplo e diversificado, com formatos de girassol ou em coração.
Não gosta de desapontar os seus clientes e nunca negou um desafio gastronómico. Começou a ganhar o gosto pela culinária desde jovem e, após o nascimento da sua filha, foi nas festas de aniversário que percebeu que tinha “jeito”, jeito esse que foi desenvolvendo até à atualidade. Salomé Rocha deixa um agradecimento muito especial à sua equipa que diariamente são motivados, e estão sempre à procura da próxima criação que irá servir à mesa, embora admita que já tem “umas ideias em mente”. “Quero um lápis de outra forma e fazer algo extraordinário. Já falei com a Viarco”, desvendou, adiantando, ainda, o desejo de criar um produto comestível alusivo a certos pormenores de algumas fábricas da cidade. “Tenho dois projetos em mente; só falta mesmo colocá-los em prática”, referiu, estimando que, dentro de dois meses, poderá ter mais novidades gastronómicas para contar.











