
Como peixe na água, o arrebatado Afonso Costa ganhou as eleições de 1915. No país em geral e também em S. João da Madeira. À sua maneira, na maioria dos atos eleitorais, Costa quase parecia uma força de lei. Como era uso do tempo, as eleições foram mais uma ocasião para, saindo apressadamente da cozinha, muita gente maldizer os rivais. Embora nem todos fossem tão óbvios nas suas intervenções, as campanhas, na rua e na imprensa, corriam ao sabor de várias bagatelas, alguns disparates e muita retórica quente. Com certos maus tratos e uma ou outra anedota dissimulada, também em S. João da Madeira, para cumprir uma penitência quase forçada, a campanha eleitoral fora insidiosa para o mais conhecido simpatizante de Afonso Costa na terra. Recordando a agitação laboral na fábrica fundada no ano anterior, os simpatizantes locais de António José de Almeida, o maior adversário de Afonso Costa, procuraram escurecer publicamente a imagem de Oliveira Júnior. Como possuía melhor imprensa, sem suspensões, omissões ou suspiros dúbios, o dono da Empresa Industrial de Chapelaria foi defendido a tempo e horas pelo jornal local. Logo a seguir às eleições, no dia 20 de junho, A Defesa Local procurou desfazer o embaraço e assinalou prontamente aquele facto deprimente que provocou vivos protestos de todos os homens sensatos desta localidade.
A história foi então incluída na primeira página do jornal entre as lúgubres e mesquinhas couzas da política. Manuel Pinto Álvares Pardal, Joaquim Luís da Silva e Francisco Luís da Costa, simpatizantes nativos do partido evolucionista de António José de Almeida, tinham aproveitado a semana eleitoral para enrubescer o maior industrial de S. João da Madeira, atirando-o à pressa, maldosamente, para dentro de uma realidade ética e social miserável. Os três homens temiam que Oliveira Júnior, durante a campanha eleitoral, saísse à rua a angariar votos para os candidatos democráticos, em cujo partido Júnior contava com velhos e valiosos amigos. O rumor que correu publicamente era penoso. Relata o hebdomadário que, lançando mão à publicidade de um pasquim, vulgo panfleto difamatório, Pardal, Silva e Costa produziram um conjunto de afirmações menos verdadeiras para melindrar o nosso protagonista e metê-lo numa situação incómoda. Jornal dixit: com o manifesto intuito de lhe amesquinhar o seu valor moral e político. Um chuto que, como era hábito, saiu aos evolucionistas pelo lado da culatra. Acabada a contagem dos votos, com um desfecho infeliz para o entusiasmo momentâneo, as três cabeças evolucionistas ficaram a engolir sapos. Fora muito mal concebido o plano para ganhar as eleições.

A opinião pública de S. João da Madeira não se tinha deixado iludir. Foi rápida a reprovar, asperamente, mas sem grandes estremecimentos, os três signatários do panfleto calunioso. Havia alguma ironia na situação. António José de Almeida, que até era amigo de Oliveira Júnior, que apreciava as reconhecidas qualidades oratórias do médico de Penacova, não tendo nenhuma razão pessoal para o hostilizar, obteve péssimos resultados eleitorais em S. João da Madeira. Comentava-se na terra que, com a campanha infame, a maioria dos eleitores evolucionistas decidiu não sair de casa no dia das eleições, enquanto outros ainda fizeram pior, votando massivamente nos democráticos, em sinal de protesto. Pelo seu lado, Oliveira Júnior cerrou os olhos, não levantou a voz. Mas não baixou a cabeça. Manteve-se discreto porque, como alguém escreveu no hebdomadário local, toda a freguesia o conhece bem e mesmo porque a opinião pública sensata se incumbiu de destruir todo o aranzel com o notável nojo que ali provocou. O seu bom nome não ia cair na desonra. Porque S. João da Madeira devia-lhe quase toda a sua prosperidade industrial. Quase todos sentiram vontade de voltar a ler, nos dias a seguir a 20 de junho de 1915, as couzas da política. Façamo-lo nós também: ...e quando não bastasse para o impor ao respeito do povo a austeridade do seu caráter e a pureza dos seus sentimentos com as suas qualidades morais, bastava o facto incontestável de ter sido o senhor Oliveira Júnior o iniciador da indústria do chapéu de pelo nesta freguesia, de onde derivaram todas as fábricas e oficinas que hoje existem nesta terra.
Era a sua nova fábrica quem sustentava centenas de operários chapeleiros. Oliveira Júnior sabia que nem sempre retribuindo o seu trabalho com os salários mais justos e adequados. Também ele tinha sido operário em tempos idos e militara então no pequenino partido socialista que José Fontana, Antero de Quental e Azedo Gneco tinham fundado em 1875. A 9 de maio de 1915, um mês antes das eleições que a raposa matreira voltara a ganhar com avidez, Oliveira Júnior decidiu enviar um texto de opinião ao jornal da terra. Deu-lhe o título sugestivo de misérias sociais. Entre o conforto de conhecer e avaliar com justiça o que a indústria local já dava à riqueza nacional, reconhecendo sibilinamente a existência de mão de obra barata na sua fábrica, Júnior abriu as portas ao seu conciso desígnio, levado pelo bom senso, para uma orientação racional da economia. Arrastou para longe o seu alvo: o de que todos, operários e patrões, poderiam ser felizes guiados por essa orientação mais racional dos bens públicos e particulares. Havia, para que isso ocorresse, um ensejo local. Era um alívio hoje, podia vir a ser um fulgor amanhã, viver e trabalhar em S. João da Madeira. Expliquemos, com o timbre de Oliveira Júnior: É um povo essencialmente trabalhador, um centro fabril de primeira ordem em relação à sua área geográfica, um foco de arrojadas iniciativas industriais, em torno das quais o progresso poderia medrar sempre, todos poderiam regularmente viver bem, todos poderiam aproveitar com satisfação o fruto das suas energias e todos poderiam ser felizes dentro da esfera económica.
Infelizmente, a sua terra natal ainda não era a afortunada ilha da utopia, a paisagem do sonho. Tinha chegado a altura de Oliveira Júnior falar com clareza. De ficar mais acabrunhado e deixar pender a cabeça. O patrão também era sociólogo, reconhecendo que eram muitos os conterrâneos que não conseguiam subir os degraus necessários para aceder ao seu ideal de justiça. Nas vidas privadas ainda havia muitos tapumes a impedir e a tornar improvável essa busca controlada da felicidade individual e social. Por causa das tais misérias sociais, com os seus sintomas exasperantes e os seus efeitos intoleráveis. Para cumprir outra penitência, com convicção febril, Oliveira Júnior enumerou então os três grandes estorvos que afetavam o dia a dia dos operários e das suas famílias. Por ordem decrescente, as armadilhas malévolas eram estas: em primeiro lugar, quando o operário recebia a féria, à sexta-feira, o abuso exagerado de bebidas alcoólicas; depois, a falta de uma sólida educação moral dos seus conterrâneos, que se comportavam demasiadas vezes de uma forma pouco natural; logo a seguir, a não compreensão dos direitos e deveres de cada um. Acusado de praticar salários baixos na sua nova fábrica e de despedir operários por causa das máquinas a vapor montadas por dois alemães que tiveram de fugir da terra em novembro de 1914, Oliveira Júnior apontava o dedo à origem maior da sórdida e indigente miséria operária e, por arrastamento, das suas mulheres e filhos. As tabernas, como se está bem a ver. Eram um antro intolerável, uma abjeção social. Como queria ser um homem razoável, Júnior reconhecia que nem todos os donos das tabernas eram gananciosos e irresponsáveis. As tabernas, havia-as das duas maneiras possíveis, as que eram boas e as que eram más. Não sabemos se na noite da vitória eleitoral dos democráticos, a 13 de junho de 1915, a marcha noturna e o entusiasmo enorme dos vencedores levaram alguns deles, mais eufóricos e exaltados, a entrar numa delas. Ausente, resguardado, estava Oliveira Júnior, que não se julgou obrigado a clarificar o seu sentido de voto.

