Hoje pela manhã, fui à horta visitar as minhas alfaces, os tomateiros, as curgetes e companhia. E lembrei-me dos morangos, que estão um pouco escondidos no talude da linha férrea. Encontrei cinco morangos, assim distribuídos por categorias: dois impecáveis e lindos, dois com leves queimaduras do sol e o outro com umas dentadas do bicho-de-conta, apesar de os bichos-de-conta não terem dentes. Resolvi não apresentar a conta ao bicho-de-conta, porque o dano era de pouca monta. Além disso, ele provou que os meus cinco morangos nunca viram herbicidas, nem inseticidas, nem fungicidas, nem “cidas” de espécie alguma.
Portanto, justifica-se que eu hoje fale um pouco do morango, aquela fabulosa fruta a que os romanos deram nome de “fragaria vesca”, que, numa tradução bastante livre, significa algo como “perfume comestível”. Os botânicos adaptaram e chamam-lhe “fragoria”. Os espanhóis chamam-lhe “fresa”, os franceses dão-lhe o nome de “fraise” e os italianos batizaram-no de “fragola”. Reparem que todas estas palavras começam pelo radical latino “fr”. Sendo o Português uma língua latina, tentamos descobrir a origem do nosso “morango”. Provavelmente, algum frade muito letrado em Latim, mas pouco versado em Botânica, confundiu-o com a amora e deu-lhe o nome que os romanos davam às amoras: “moranicu”. E assim ficou. Mas não nos importemos com esta originalidade: “morango” é uma palavra bem bonita, deu nome à célebre telenovela “Morangos com açúcar”, ao “Livro com Cheiro a Morango”, de Alice Vieira, e a numerosos poemas onde se fala de morangos, a propósito de coisas bonitas e perfumadas.
Depois da viagem linguística, a viagem geográfica. O morango é um fruto europeu, mas não totalmente, ou seja, também existia na América do Norte e no Chile. Quando os europeus chegaram a essas partes do mundo, repararam que existiam aí morangos maiores, mas alguns pouco saborosos e até totalmente brancos. Como os nossos eram pequeninos, mas saborosos e coloridos, nada como experimentar cruzamentos. Nós demos o sabor e a cor, eles deram o tamanho. Assim se foi chegando a uma relação aceitável cor-tamanho-sabor. Os que querem a América grande outra vez podiam aprender com os morangos e com o seu hibridismo, lembrando-se que a verdadeira grandeza vem da qualidade e do intercâmbio, e não apenas da quantidade e do tamanho.
E assim termino esta crónica, pazes feitas com o bicho-de-conta, que quase dava conta do morango inteiro, se eu não aparecesse naquele momento. Mesmo assim, sugeri-lhe que fosse comer as ervas daninhas que me estão a invadir a horta. Mas não estou certo de que ele siga o meu conselho. Os morangos são melhores!