
A Assembleia Geral da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), marcada para 18 de novembro em São João da Madeira, realiza-se num concelho onde as recentes ocorrências criminais adensaram as preocupações sobre segurança
Jornal ´O Regional´-Que expectativas perspetiva para a Assembleia Geral de 18 de novembro, em São João da Madeira, e que assuntos considera determinantes para orientar a atividade sindical em 2026?
Cristiano Correia - Esta é uma Assembleia Geral Ordinária descentralizada, onde serão projetadas as atividades para o ano de 2026. Em termos reivindicativos, a nossa ação passará pela continuidade da negociação com o MAI, decorrente do acordo firmado em julho de 2024. Acordo que permitiu um incremento no suplemento por serviço e risco de 300€ nas forças de segurança, de forma faseada. Contudo, o seu cabal cumprimento passará pela negociação concreta de matérias estruturais como a revisão das carreiras, tabelas remuneratórias, suplementos, entre outras variáveis.
Que balanço faz da participação dos associados nesta Assembleia Geral e que contributos poderão influenciar a ação futura da ASPP/PSP?
A presente direção iniciou funções em fevereiro deste ano, num projeto de continuidade, reforçando o sindicalismo de proximidade com os associados e demais polícias. Tratando-se de uma reunião nacional, são esperados dirigentes, delegados e associados de todo o país, inclusive das ilhas. Contudo, será dada primazia aos associados do Comando Distrital de Aveiro, concretamente aos polícias da Esquadra de São João da Madeira, que, esperamos, possam comparecer a esta iniciativa inédita.
Por que razão a organização escolheu São João da Madeira para esta jornada e que importância atribui à descentralização das iniciativas da associação?
São João da Madeira surge dentro da política de descentralização das iniciativas do sindicato e pela abertura demonstrada pela autarquia em acolher este evento singular. A ação sindical e associativa no seio da ASPP/PSP vai muito além das questões profissionais e reivindicativas. Encerra uma dimensão de aprofundamento do associativismo, de relações institucionais, de envolvimento com as comunidades e forças vivas da sociedade. Neste plano, o Município de São João da Madeira demonstra todos esses atributos com singular importância dada à segurança, à PSP e aos seus profissionais.
Como avalia o estado da saúde ocupacional na PSP – incluindo riscos psicossociais, impacto dos turnos e desgaste operacional – e que falhas identifica como mais urgentes?
Para a ASPP/PSP, esta é uma temática fulcral no seio das forças de segurança. Daí voltarmos a discutir esta temática da “Saúde Operacional dos Profissionais da PSP”. O estado global da saúde dos profissionais é mais do que preocupante. Os riscos psicossociais são tremendos. Muitos apresentam um elevado desgaste físico e psicológico: a necessidade de responder a situações súbitas, violentas e/ou traumáticas, o elevado risco de lesões, a responsabilidade pela segurança de outros ou as ameaças à sua própria segurança, incluindo o risco de morte. Há ainda uma pressão organizacional, social e mediática que coloca em crise o controlo emocional com interferência na tomada de decisão e mesmo no desempenho. Estas dimensões, aliadas ao trabalho por turnos e noturno, à escassez de meios humanos e materiais, à falta de atratividade, ao envelhecimento do efetivo, ao trabalho longe da família com corte sistemático de folgas e falta de descanso, à falta de reconhecimento, tudo isto leva os polícias para estados de elevadíssima ansiedade, depressão e perturbação de stresse pós traumático, bem como de burnout e ideação suicida e sua consumação. Veja-se a taxa de suicídios nas forças de segurança e tente-se perceber o que estará na origem. Assim, queremos que este evento não seja mais um grito de alerta, mas que, a partir daqui, se possa trilhar um caminho de capacitação efetiva de mecanismos de saúde ocupacional ainda inexistentes na PSP.

Que medidas defende para reforçar a proteção e a segurança dos agentes, nomeadamente no domínio da vitimação policial e do acompanhamento físico e emocional?
Em 2023, a ASPP/PSP elaborou uma proposta alargada para o plano de prevenção dos suicídios, que contemplava o reforço do gabinete de psicologia da PSP, incluindo o apoio em consultas fora da Instituição. Veja-se que os polícias das ilhas estão desprotegidos, não havendo pelo menos um psicólogo em cada comando regional (Açores e Madeira). Foi proposto o reforço de formação policial e operacional na abordagem e gestão das ocorrências, com a introdução de melhorias nos materiais e equipamentos. No plano da formação, o que assistimos atualmente é a nomeação dos elementos para formação em dias de folga, o que acaba por sobrecarregar os polícias. A ASPP/PSP, neste domínio, em colaboração com a Fundação Fernando Pessoa e com o Observatório Permanente de Violência e Crime, está a desenvolver estudos para melhor compreender este fenómeno, de modo a melhorar a sua participação e as suas propostas com maior objetividade e capacidade.
“A conferência é um grito de alerta”
Que prioridades de investimento considera indispensáveis e que compromissos espera obter da tutela no seguimento desta assembleia?
Esta Assembleia legitimará a direção para a continuidade das negociações que já priorizaram a revisão das condições remuneratórias e de carreira dos polícias. A atratividade da carreira policial faz-se com a sustentação das condições socioprofissionais, onde a ASPP/PSP tem tido um papel fundamental de persistência e responsabilidade.
Esta conferência dedicada à saúde operacional poderá influenciar reivindicações futuras ligadas ao trabalho policial em meios urbanos?
Claro. A conferência em si é já um grito de alerta, pois, a par das questões remuneratórias, a qualidade do serviço policial fica claramente comprometida com a falha no cuidado da saúde dos profissionais, sendo certo que a PSP tem à sua responsabilidade os grandes centros urbanos a nível nacional.
Como descreve o estado atual das negociações com a tutela e que pontos considera inadiáveis para melhorar as condições dos operacionais?
Como já referido, estamos numa segunda fase de concretização do acordo firmado em 2024, sendo que há uma reunião determinante agendada para dia 28 de novembro, em que aguardamos uma proposta cabal que mantenha a ASPP/PSP nas negociações. A premissa será a concretização de variáveis remuneratórias vinculadas a janeiro de 2026. Nesse caso, prosseguiremos o processo negocial. Até lá continuaremos a fazer a pressão necessária para que essa mesma proposta seja o mais profícua possível para os profissionais da PSP.
A ASPP/PSP é hoje o maior sindicato da PSP. Quantos associados reúne e que papel tem desempenhado na defesa dos profissionais?
A ASPP/PSP é o maior sindicato das forças de segurança, está representada nível nacional, conta atualmente com cerca de oito mil associados e é a percursora do sindicalismo policial, contando com mais de quatro décadas de intervenção sindical, desde o tempo da clandestinidade, passando pelo associativismo e mais recentemente com o reconhecimento do sindicalismo na PSP. Apesar da ainda existência de várias estruturas sindicais no seio da PSP, a ASPP/PSP tem-se mantido como uma força de resistência e de moderação, no que diz respeito à representação sindical, com presença em variados fóruns de importância, onde os direitos dos profissionais da PSP estão em discussão, como o Conselho Superior de Polícia, Conselho de Deontologia e Disciplina, Conselho Geral dos Serviços Sociais, sempre com proposta e perspetiva construtiva.
Nas últimas semanas, São João da Madeira tem registado uma sucessão de assaltos. Como interpreta esta situação e que leitura faz da segurança no concelho?
Os temas da segurança e da criminalidade “(as)saltaram” a ordem do dia no respeitante à discussão política, pública e mediática; contudo, nem sempre mantido com o rigor necessário e desejável. Por parte da ASPP/PSP, manteremos sempre uma abordagem factual e responsável na avaliação destes fenómenos. Devido ao quadro acima traçado de falta de efetivo, a capacidade preventiva, de proximidade, de proatividade e a até de antecipação de cenários fica comprometida. A PSP, com esta realidade, tem, praticamente, reagido aos fenómenos criminais, ainda que com muito empenho e abnegação dos polícias, o que é de louvar. Este contexto assemelha-se à realidade de São João da Madeira. A ASPP/PSP tem mantido um discurso responsável, não alinhando em discursos alarmistas ou populistas, desprovidos de racionalidade e daquilo que são os relatórios oficiais. Contudo, não podemos descurar que há fenómenos sociais e criminais que se estão a verificar e aos quais a PSP está a ter muita dificuldade em acompanhar, estando praticamente a reagir aos fenómenos. A solução passará por um trabalho em rede institucional, mas também com um forte investimento na prevenção e no policiamento de proximidade e de relação com as comunidades. Esse é o caminho para a PSP continuar a granjear o respeito e a admiração pelas populações.
Os polícias da esquadra local têm transmitido preocupações específicas à ASPP/PSP?
Sim, no âmbito exatamente daquilo que já foi referido, em que a falta de efetivo e até de meios tem comprometido a missão ao nível do desejável. Esta realidade acaba por ser desmotivadora, pois acabam por ser os próprios polícias a dar a cara, por insuficiências, à margem da sua responsabilidade.
Considera suficiente o efetivo destacado para a cidade face ao aumento das ocorrências?
Pelas preocupações recolhidas o efetivo já é insuficiente, mesmo num quadro, digamos, de normalidade, sendo premente o seu reforço quando se verifica algum pico anormal.
“Há falta de meios materiais, viaturas e equipamentos de proteção individual”
Que impacto têm as limitações operacionais na capacidade de patrulhamento e na prevenção da criminalidade?
Essa falta de meios faz com que só se tenha capacidade para a vertente reativa do policiamento, o que é bastante ingrato para os polícias, pois altera o paradigma daquilo que deverá ser o serviço policial.
As condições de trabalho da esquadra foram apontadas como insuficientes durante anos. Que problemas concretos foram identificados?
Após os sucessivos atrasos nas obras de remodelação do edifício, finalmente deram início as obras de requalificação, sendo que atualmente os polícias estão a ocupar, de forma provisória e por um período de um ano, as instalações da antiga Escola Secundária João da Silva Correia, localizada na Avenida Manuel Luís Leite Júnior. Estes dias foi possível fazer uma visita às instalações provisórias, sendo que foi possível ver a abnegação dos policiais em trabalhos de melhoria dessas mesmas instalações, dotando-a de alguma comodidade e conforto. Ainda assim, o desejo é que a obra de remodelação cumpra os prazos e que o novo edifício corresponda aos desafios do futuro.
Há carências ao nível de meios materiais, viaturas ou equipamentos de proteção individual?
Além da questão da remodelação da Esquadra, há efetivamente falta de meios materiais, viaturas e equipamentos de proteção individual. Este é um problema de fundo para o qual a ASPP/PSP tem alertado para a concretização da Lei de Programação de Equipamentos e Infraestruturas, que apresenta, ano após ano, níveis de execução muito escassos. Além disso, a ASPP/PSP tem incidido na necessidade de, aquando da saída dos agentes da Escola Prática de Polícia, possam, logo à partida, receber um Kit de material e equipamento de proteção individual e tático para o exercício da missão.
O desgaste operacional tem aumentado?
Há um desgaste que se tem acentuado, pela escassez de meios humanos e atendendo à média de idades que rondará os cinquenta anos.
Que mensagem deixa aos moradores e comerciantes que manifestam preocupação com a insegurança?
Essa preocupação é legítima, mesmo que possa assentar em percepções.
A mensagem passa por serem exigentes nas suas legítimas reivindicações pelo direito à segurança e a uma polícia próxima dos cidadãos e das comunidades. E que tenham a noção que os polícias querem fazer o seu melhor, sendo, muitas vezes, a resposta apresentada alheia à sua responsabilidade.
Que medidas imediatas entende que a tutela deve adotar para reforçar a capacidade operacional no distrito de Aveiro?
Desde logo exige-se o reforço de meios em toda a linha. Só assim se poderá efetivar o policiamento de proximidade nas suas várias valências: Escola Segura, Comércio Seguro, Idoso Seguro, trabalho com as comunidades e esferas mais vulneráveis. Contudo, isto só será possível olhando-se para a segurança como um investimento e sendo implementadas verdadeiras medidas de incentivo aos jovens para preencherem os quadros da polícia e de motivação para aqueles que estão nas fileiras.
Que leitura faz da entrada de novos efetivos – há procura suficiente para garantir renovação geracional na Polícia?
Esse tem sido um dos maiores problemas da Instituição, a fraca atratividade. As vagas para os sucessivos Cursos de Formação de Agentes em Torres Novas têm ficado por preencher, agravando-se o quadro de mobilidade e transferências, de envelhecimento da Instituição e do acesso ao direito à pré-aposentação. Mesmo com as várias alterações aos critérios de admissão, o que no nosso entender têm sido medidas em desespero, não se tem revertido este quadro de escassez.
Que realidade encontra nos agentes mais jovens colocados em São João da Madeira – que condições têm e que dificuldades se revelam no serviço diário?
A média de idades rondará os cinquenta anos, como referido. Arriscaria dizer que não há um único polícia com menos de quarenta e cinco anos. As dificuldades trazidas pelo quadro já traçado colocam os polícias em grandes dificuldades na conciliação da vida pessoal com a vida familiar, com o sucessivo corte de folgas e falta de descanso. Este quadro releva uma mudança de paradigma, pois a PSP estará a passar uma das maiores crises da sua história, sendo que a campainha já suou há muito. Por parte da ASPP/PSP mantermos uma postura atenta e responsável: “Para Nossa Defesa”. Os temas da segurança e da criminalidade “(as)saltaram” a ordem do dia no respeitante à discussão política, pública e mediática, contudo nem sempre mantido com o rigor necessário e desejável. Por parte da ASPP/PSP manteremos sempre uma abordagem factual e responsável na avaliação destes fenómenos.

