Sociedade

“Sempre tive um grande interesse na corrupção e na cunha”

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Escreveu a sua primeira crónica em 'O Regional’ com apenas 15 anos. O sanjoanense João Ribeiro Bidaoui é jurista, sociólogo, diplomata e político. Em entrevista, fala da influência do autarca Jorge Sequeira na sua decisão de estudar Direito.

Jornal - O Regional – Escreveu a sua primeira crónica nas páginas de ´O Regional` com apenas 15 anos. E a ligação a este jornal durou longas décadas. Lembra-se do que escreveu nessa primeira crónica?
João Ribeiro Bidaoui - Não me recordo exatamente do que escrevi. Mas é bem capaz de ter sido uma crítica a alguma ação menos feliz do saudoso Manuel Cambra ou do Cavaco Silva! Sabe, em 1991 comecei a despertar para o ativismo político. Foi um ano cheio de acontecimentos marcantes que me tocaram profundamente: o golpe de Estado que levou o Boris Ieltsin ao poder, a primeira Guerra do Golfo que tinha começado no ano anterior, a renovação da maioria absoluta do Cavaco Silva e, talvez o que mais me afetou, o Massacre de Santa Cruz em Timor-Leste. Esses eventos mexeram muito comigo na altura.
Tanto que organizou um acampamento com 50 refugiados timorenses, no Parque de Campismo do Furadouro, logo depois do massacre de Santa Cruz, em 1991.
Foi uma iniciativa que me marcou profundamente. Após o Massacre de Santa Cruz, senti a necessidade de ajudar e dar visibilidade à causa timorense. Organizar um acampamento com cerca de 50 refugiados no Parque de Campismo do Furadouro ajudou na sua integração na sociedade portuguesa e criou laços com os jovens portugueses. Lembro-me de uma marcha conjunta de jovens portugueses e timorenses pelas ruas do Furadouro, talvez o único desfile de política internacional ali. Depois do acampamento, muitos refugiados estabeleceram-se em Setúbal e integraram-se na comunidade. Não foi fácil organizar tudo, mas contamos com apoios importantes da Junta de Freguesia de S. João da Madeira, da Olmar, da Coca-Cola (que tinha uma fábrica em Estarreja) e do Restaurante Caravana, que já encerrou.

Voltando atrás, que sonhos tinha o jovem que estudou na antiga escola Jardim do Sol e que fez todo o secundário no Colégio dos Carvalhos?
Não diria que tinha sonhos, porque nunca me deixei levar por irrealismos. Mas desde muito cedo senti que podia agir na realidade para torná-la mais suportável e justa, especialmente para aqueles que menos tinham, menos sabiam e mais sofriam. Infelizmente, hoje em dia dizer isto soa meio banal, mas é sincero. Lembro-me de ter, e ainda tenho, um sentimento muito forte de reação à injustiça e às desigualdades injustas. Nem todas as desigualdades são injustas ou evitáveis, ao contrário do que alguns pensamentos políticos mais à esquerda possam sugerir. Mas acredito que podemos fazer mais e melhor como comunidade.

Entre os amigos de infância, teve o atual líder do PS, Pedro Nuno Santos, e o presidente da Junta de Freguesia de S. João da Madeira, Rodolfo Andrade. Nessa altura, já falavam de política?
Em bom rigor, conhecemo-nos através da política, ainda adolescentes e sem ambições. Nem sequer sabíamos que tipo de ambições seriam possíveis. Naqueles tempos, os meios de intervenção política e cívica eram mais limitados. Não havia redes sociais para ações mais individuais; o associativismo era muito voltado para a recreação. A cultura de debate político ou cívico continuava condicionada, por isso as juventudes partidárias, muitas vezes através das associações de estudantes, eram o espaço de interação para os jovens com mais consciência política ou interesse social. O facto de ter estudado fora de S. João da Madeira tornou as minhas relações dentro da política ainda mais importantes. Cresci muito ao conviver com o Pedro Nuno, com o João Nuno Araújo, o João e o Jorge Sequeira, o Vítor, a Sílvia Vieira, o Rodolfo e tantos outros que me mantinham ligado à cidade.

Teve uma vasta atividade política local e distrital entre 1991 e 2002.
Fiz um percurso de liderança na Juventude Socialista, a nível local, distrital e nacional, onde cheguei a ser Secretário-Geral Adjunto, candidato a Secretário-Geral e Presidente da Comissão Nacional. Em algumas funções, fui sucedido pelo Pedro Nuno Santos, que integrou as minhas equipas desde cedo. Saí de Portugal em 2002, para trabalhar em Macau, voltando mais tarde para servir como Porta-Voz do PS durante a liderança de António José Seguro, numa fase difícil de crise financeira e após uma derrota histórica do partido. Apesar disso, nunca desempenhei grandes cargos eleitos, nem localmente, nem na Assembleia da República. Contribuí como candidato em lugares não elegíveis para a vereação em S. João da Madeira e para a lista de deputados por Aveiro.
As exceções foram a minha candidatura à presidência da Assembleia de Freguesia da Lapa, onde alcançámos um dos melhores resultados desde o 25 de Abril, e em 2013 à Câmara de Setúbal, numa tentativa de mudança após décadas de poder comunista. Depois fui para a Coreia do Sul para assumir o cargo de Diretor do Centro Regional Ásia-Pacífico da ONU para o Direito Comercial Internacional, onde fiquei até 2018. Sempre dei prioridade ao meu percurso académico e profissional, o que condicionou a minha dedicação ao jogo político. No PS, apenas apoiei publicamente António Guterres e António José Seguro, mantendo-me sempre um pouco à margem dos percursos políticos mais tradicionais.

Em 1995, entrou na Faculdade de Direito de Coimbra. Foi muito influenciado pelo atual Presidente da Câmara, Jorge Sequeira, para seguir esse rumo académico?
Sim, o Jorge foi realmente uma inspiração para mim. Tal como ele, fui o primeiro licenciado na minha família. Partilhamos também ascendência alentejana - o que era, e presumo que ainda seja, uma raridade em S. João da Madeira. A forma como ele, e também o saudoso Fernando Rocha Andrade, falavam da Faculdade de Direito de Coimbra influenciou muito a minha decisão de seguir esse percurso académico. Devo-lhe esse abrir de olhos para novas possibilidades. Naquela época, o mundo que conhecíamos era bem mais limitado. Tive a sorte de ter algum privilégio familiar que me permitiu viajar regularmente desde muito jovem para França, Alemanha e Reino Unido, o que ampliou os meus horizontes. No entanto, foi através das conversas com o Jorge sobre Coimbra que encontrei a direção que queria seguir. Tenho um orgulho especial em vê-lo como Presidente da Câmara, e orgulho-me da cidade por ter feito essa escolha.

“Queria ir além das conversas de café sobre as cunhas”

Além do mestrado em Direito, ainda se fez mestre em Relações Internacionais em Cambridge e doutorou-se em Sociologia. Porquê Sociologia?
Sempre quis estudar e fui fazendo isso ao longo da vida, enquanto trabalhava. Sempre tive um grande interesse na corrupção e na “cunha”. A Sociologia deu-me teorias que me permitiram compreender este fenómeno, que ainda hoje me inquieta. Queria ir além das conversas de café sobre as cunhas e aprofundar o conhecimento para compreender melhor os portugueses. Acho que isso está bem refletido nos meus livros “A Anatomia da Cunha Portuguesa” e “O Compadrio em Portugal”. Depois de concluir o doutoramento, não continuei a carreira académica em Sociologia. Quando lecionei como Professor Visitante, sobretudo na Ásia, foi em Direito Comercial Internacional ou Direito Internacional Privado.

Poderá ter acesso à versão integral deste artigo na edição impressa n.º 4012, de 28 de novembro de 2024 ou no formato digital, subscrevendo a assinatura em https://oregional.pt/assinaturas/

 

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