Sociedade

Recriarte e Voz Atrevida

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“Eu penso que deveria existir uma regra que determinasse que, pelo menos uma vez na vida, todas as pessoas do mundo, deveriam receber uma ovação de pé”
R. J. Palacio, Wonder

Recriarte e Voz Atrevida são os nomes dos grupos artísticos da CERCI SJM. O primeiro, de teatro, fundado em 2016. O segundo, de poesia, fundado em 2017.
Mas que ideia é esta, poderá o leitor estar a pensar, de trabalhar teatro e poesia quando trabalhamos com pessoas com deficiência intelectual com tantas dificuldades de expressão e comunicação?
Preferimos considerar particularidades de expressão e comunicação.
São afinal pessoas dotadas de uma voz que também quer, precisa e merece ser ouvida. Porque não o teatro e a poesia, com a sua magia, com o seu impacto público, para disseminar esta voz?
Neste sentido, o nosso primeiro trabalho nestes grupos artísticos é, através da arte, da linguagem universal da música, da dança, da representação, do “contexto seguro” do faz-de-conta, criar cumplicidades e condições de confiança para que sejam partilhadas e contadas histórias. Uma cumplicidade que só se consegue com o respeito a cada um e consideração do contributo de cada um – é muitas vezes da própria voz dos nossos utentes que “nascem” as peças a apresentar ao público, quer seja pela sua interpretação de obras literárias (O Principezinho, 2017) quer pela sua própria vivência de temáticas que são propostas ao grupo (Emoções – Desenredar as Emoções, 2019). É igualmente parte fundamental criar o método e a disciplina – chegar pontualmente aos ensaios, desligar telemóveis, aquecer e preparar o corpo através do jogo dramático, disponibilizar a atenção, combater a frustração quando um resultado não sai bem “à primeira”, aceitar a crítica, repetir vezes sem conta. Aprende-se que “Eu não tenho valor simplesmente pelo que sou, mas por aquilo que posso construir, por aquilo que posso criar através do meu trabalho”. Transmitimos assim a cada artista uma mensagem fundamental – tu és capaz. Eu espero mais de ti. Uma mensagem fundamental de competência que promove certamente o desenvolvimento em vez de uma acomodação – “eu tenho uma deficiência e ninguém me pede mais do que isto, apenas que seja visto e valorizado por isto, logo não necessito de me esforçar”. Pretendemos o contrário “eu tenho uma deficiência, mas mereço ser visto e considerado para além da minha deficiência”. O objetivo não é nunca que a arte seja uma “montra da deficiência”, mas fazer valer a pessoa, a história que a contar, a mensagem que pretendemos passar, para lá da deficiência. Por isso, no nosso trabalho não propomos, nunca, que estas pessoas sejam aplaudidas pela deficiência que têm, mas pelo mérito que têm, pelo trabalho que fazem.
Este ano, na apresentação da Peregrinação Poética, ouvia-se a frase, de autoria de Mafalda Veiga, “Nós somos a voz e a palavra que nunca vão acabar”. E a arte é pois, para nós, também este meio infinito de amplificarmos a nossa voz e chegarmos até quem não nos vê, ou a quem nos vê através de lentes ainda algo baças e turvas. Como tal, temos procurado estar presentes em iniciativas como a Peregrinação Poética, o Festival de Teatro e chegar às escolas.
A arte na CERCI SJM é também uma forma de sermos felizes e da nossa vida ter um propósito e um significado – “Sou ator”. No final de cada espetáculo, os nossos artistas, apresentam-se em fila, de olhos brilhantes, queixo levantado, peito erguido, escutam os aplausos e agradecem a ovação. Sentem que se cumpriram. E nós, equipa, é também de peito cheio, que sentimos que demos mais um passo rumo à nossa missão.

CERCI S. João da Madeira

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