Almerindo Miguel cresceu no Bairro do Espadanal, brincou nas ruas e matos e fez parte de várias coletividades locais, até que decidiu ser piloto de avião
Anda literalmente nas nuvens, mas nem isso o faz esquecer a cidade que o viu nascer. Almerindo Miguel cresceu no Bairro do Espadanal, brincou nas ruas e matos de S. João da Madeira e fez parte de várias coletividades locais, até que decidiu levantar voo e ir à procura do seu próprio sonho: ser piloto de avião. Começou a trabalhar no setor em 1998 e já soma 11.000 horas de voo. Esta semana, num voo com cerca de 200 pessoas entre o Porto e Ponta Delgada, explicou-nos porque é que ser piloto é “uma coisa do outro mundo”. A conversa decorreu a 11 mil pés de altitude, num A321 NEO a 900 kms por hora.
Jornal ´O Regional´ - Antes de falarmos do piloto, vamos recordar a sua infância. Nasceu e cresceu no Bairro do Espadanal, em S. João da Madeira. Que memórias guarda da casa verde, em frente à Escola Básica?
Almerindo Miguel – Tenho memórias muito felizes da minha infância. Da minha família, dos meus avós, dos meus pais, do meu irmão, dos meus amigos do Espadanal, dos amigos da Ponte e de toda a região. Muita brincadeira no mato e no campo de futebol da escola do Espadanal. Tenho memórias do bairrismo da cidade. Fazíamos torneios de futebol entre os bairros quando éramos mais pequenos. A primeira memória que tenho é do meu papagaio. Certamente, as pessoas que se lembram de mim, também se lembram do meu avô e do papagaio. Quem estudou no Espadanal lembra-se perfeitamente dessa imagem, um papagaio cinzento. A casa verde foi onde cresci e fui criado. Foi uma infância espetacular.
Que tipo de viagem foi a sua infância?
Eu vim na barriga da minha mãe de África. Cheguei com sete meses e fomos acolhidos pela nossa família, os Cruz, da antiga zona dos bombeiros. Chamo-lhes primos com muito carinho. Não só pela forma como nos acolheram, mas pela forma amorosa e carinhosa como lidamos uns com os outros, hoje em dia. Esta viagem começou em África. Nasci e fui criado em São João da Madeira. Mas sempre tive o sonho de ser piloto de aviões.
Frequentou a Escola Básica do Espadanal, mais tarde a EB2/3 e a secundária Oliveira Júnior. Jogou minibásquete infantis, praticou natação na Associação Estamos Juntos. A sua formação em desporto adivinhava-se…
As minhas brincadeiras sempre foram muito ligadas ao desporto. Além de estudar, pratiquei desporto. Ainda tenho imensos amigos dessa altura, mas já não os vejo há muitos anos. Tenho esse saudosismo da minha terra. Hoje em dia, existem os computadores e a Internet e antigamente não existiam tanto. O que fazíamos era jogar à bola, correr e andar de bicicleta. E passávamos essas tardes intermináveis de brincadeira e bem-estar com os amigos, na zona do Espadanal.


Foi uma criança rebelde?
Nunca fui muito rebelde, mas também nunca fui muito pacato. A minha educação sempre foi muito para o equilíbrio. Ser educado, mas também ser arisco quando fosse necessário. Uma das coisas que trago em mim, da minha terra, é a cidade do labor, do trabalho que aplico no meu dia a dia. Ter visto tantas pessoas a irem trabalhar de manhã, afincadamente, fez-me transportar isso para a minha vida. Nos vários sítios do mundo onde trabalhei sempre apliquei essa diretriz. Com trabalho, dedicação e esforço conseguimos alcançar os nossos objetivos. A sorte demora a chegar, mas temos que a ir procurando.
“Gosto de mostrar aos meus filhos, a cidade onde cresci”
Os seus amigos em S. João da Madeira afirmam que já em criança falava do gosto pela aviação. No seu caso, a escola foi uma boa pista para o futuro ou existia alguma ligação familiar com a aviação?
Um dos meus primos, o Fernando Cruz, era piloto da TAP. Inicialmente era mecânico da companhia e depois passou a piloto. E o meu pai, como mecânico de bordo, deu-me a possibilidade de viver dois anos em São Tomé e Príncipe, quando era pequeno. O meu pai trabalhou como marceneiro e também trabalhou numa oficina de pneus, perto do Cavadas. Depois, arranjou emprego em São Tomé e Príncipe e vivemos lá dois anos. Entre os quatro e os seis anos tive a possibilidade de andar muitas vezes de avião com ele. Como na ilha não tínhamos muito para fazer, tive essa hipótese de andar nos cockpits com o meu pai e os colegas pilotos. Apanhei aí o bichinho. Tive sempre essas referências na aviação. E tive no meu primo, esse exemplo como piloto e homem. Sempre olhei para ele e pensava que um dia gostava de ser como ele.
O que é que esse miúdo com quatro anos imaginava quando ia à frente no avião?
Imaginava um dia estar ali. Tentei entrar na Força Aérea, mas não consegui. As vagas eram poucas. Depois, a hipótese era ir para a universidade. Eu não quis e, os meus pais ficaram tristes comigo. Queria começar logo a fazer o curso de pilotagem, só que acarretava custos elevados, e nessa altura os meus pais não me podiam ajudar. E mesmo o meu pai nunca me incentivou muito a ser piloto, sempre me abriu os horizontes dizendo que existiam outras opções. Trabalhei durante dois anos para juntar algum dinheiro e depois os meus pais já me conseguiam dar algum suporte financeiro, e fui fazer o curso.
De que forma acompanhou a evolução de S. João da Madeira? Que S. João da Madeira vê hoje?
Vejo uma cidade muito diferente. Comecei a ir muito menos vezes a S. João da Madeira por razões profissionais. E cada vez que ia lá, notava uma evolução a nível de cidade, infraestruturas e condições. As escolas têm muito boas condições. Tínhamos e temos uma excelente piscina, excelentes condições para fazer desporto, um parque excelente para correr. Uma evolução tecnológica e a nível urbano que permite à cidade ser, do meu ponto de vista, uma cidade do trabalho, mas também uma cidade em que as pessoas vivem com uma boa qualidade de vida. É muito bom regressar a S. João da Madeira. E gosto de mostrar aos meus filhos, a cidade onde cresci. S. João da Madeira tem as infraestruturas necessárias para um jovem que queira atingir um determinado objetivo.
Lê com regularidade ´O Regional´. Tenta sempre acompanhar o que se passa na sua cidade?
É um jornal centenário e de muita referência. Tento sempre acompanhar, como também pergunto aos meus amigos. Mesmo à distância consigo saber das coisas.
Que importância atribui à imprensa local?
A imprensa local sempre foi muito importante em S. João da Madeira. Não só para divulgar notícias que se passam em S. João como as próprias coletividades, o desporto e os bombeiros. Acho o jornal muito importante para divulgar o que há na região e na cidade.
Voltamos à sua juventude. Deixa S. João da Madeira e vai à procura do sonho para Lisboa. A passagem pelo desporto, descobrir uma nova cidade foram uma longa caminhada até chegar à profissão que tem hoje?
Chego a Lisboa com 23 anos. Senti-me radiante a ir de S. João da Madeira para Lisboa para realizar um sonho. O curso demorou cerca de dois anos. Quando terminei, estive quatro anos à procura do meu primeiro trabalho. E tive a hipótese de trabalhar no centro de formação de controladores aéreos de Lisboa, no NAV, durante dois anos. Arranjei emprego na NetJets, nos escritórios como flight scheduler coordinator, onde tive a possibilidade de ver como trabalha uma grande empresa a nível de gestão. Depois fui trabalhar para uma empresa sueca. Passei também por África. Tive nos Estados Unidos a fazer transporte de turistas e tirei a licença americana. Entro na Sata, porque um amigo informou-se que a empresa ia colocar mais um avião e disse para enviar o currículo. E depois fui sendo chamado e passando as várias etapas. A Sata era uma das minhas três opções para regressar a Portugal, uma vez que esse era o meu objetivo. O primeiro voo que fiz com a Sata foi Lisboa – Funchal, Funchal – Lisboa.
É piloto há quantos anos?
Comecei em 1998 esta viagem como piloto.
Que características físicas e psicológicas são exigidas para se ser um bom piloto?
A nível físico o mais importante é sermos saudáveis, ter uma boa visão, não ter problemas cardíacos e levar uma vida regrada sem excessos. Hoje faço jogging, caminho, jogo basquetebol com os meus filhos, mas não faço desporto afincadamente. Gosto de pescar. Ter uma vida regrada para termos um equilíbrio psicológico para podermos gerir o nosso voo, o avião, os passageiros, a tripulação e os interesses da companhia.
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