Sociedade

“Os entendidos na matéria continuam a assobiar para o lado”

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A rede UNIR, responsável pela operação de transporte público rodoviário da Área Metropolitana do Porto (AMP), continua a ser alvo de queixas de vários utentes que utilizam o transporte diariamente. À redação do jornal ‘O Regional’, continuam a chegar testemunhos que partilham as suas experiências diárias, normalmente descritas como “caóticas” ou como situações que “merecem algum reparo”.

Começou a utilizar a rede de transportes públicos apenas em março deste ano e foi nesse momento que Laurinda Rosa se apercebeu das “dificuldades das pessoas” no acesso à mesma, uma vez que considera que não há informação disponível sobre os trajetos dos autocarros e respetivo destino. A própria utilizadora corroborou essa mesma situação, até porque a própria, na primeira vez que se dirigiu ao Centro Coordenador de Transportes, não sabia para qual autocarro deveria dirigir-se. Questionando alguns utilizadores que por lá se encontravam, Laurinda Rosa foi ver as informações que se encontravam afixadas “numas janelas de vidro”. “Fui ver e não consegui; sou baixa e tenho dificuldade em ver ao perto. Os idosos também têm dificuldade em ler aquela informação”, exemplificou Laurinda Rosa que, confusa, decidiu perguntar aos motoristas. “Eles disseram que o autocarro em questão não era o deles e que não sabiam qual era. Disseram-me que, para informações, deveria dirigir-me à Câmara Municipal”, contou. Laurinda Rosa sentiu-se “revoltada”, não só por si, mas também pelos outros passageiros, entre “idosos”, “grávidas” e “pessoas de muletas com mobilidade reduzida”. “O que podiam fazer era pôr na box onde os autocarros param um letreiro a dizer o destino para onde vai aquele veículo, bem visível, com letras grandes. Além disso, o Centro Coordenador de Transportes deveria ter um gabinete que pudesse fornecer informações aos utilizadores”, opinou.
Zeferino Teixeira, à semelhança de muitos outros passageiros, utiliza os transportes da UNIR diariamente. Há dois anos que utiliza o serviço rodoviário, especificamente a linha 1410, que liga S. João da Madeira a Campanhã. A situação mais recente reportada por Zeferino Teixeira ocorreu em setembro deste ano. “Tem vindo a ser prática, desde 17 de setembro, o autocarro 1410 com destino a Campanhã, no horário das 18h45, não cumprir a sua função. Dia 18 não partiu, dia 19 partiu com 30 minutos de atraso, dia 22 voltou a faltar”, exemplificou o utilizador. No Centro Coordenador de Transportes, em S. João da Madeira, Zeferino Teixeira realçou que o painel é “vergonhoso”, apelando até à sua remoção. “Os horários da UNIR estão afixados nas paredes (vidros) do referido terminal em letras e números equivalentes às «condições gerais» das companhias de seguros; ninguém lê aquilo”, apontou, fazendo eco ao descrito por Laurinda Rosa. “Cada vez mais se incentiva a usar os transportes públicos e, na prática, os entendidos na matéria continuam a assobiar para o lado. É lamentável”, considerou.
Outro utilizador, que preferiu não ser identificado, usa diariamente o serviço desde o início de 2022, embora viaje de transportes públicos desde 2017. Reconhece a introdução da linha 1410, a mesma utilizada diariamente por Zeferino Teixeira. No entanto, segundo o próprio, durante largos meses “tudo mudou para pior”, com “constantes ajustes ao horário e falhas no serviço”, “sem falar na falta de condições para os passageiros”. Considera que os municípios têm “falhado nas suas obrigações” relativamente às paragens de autocarros, já que muitas delas encontram-se “degradadas” ou “são até inexistentes”. “Adicionalmente, tornou-se mais difícil regressar a S. João da Madeira entre as 17h e as 19h; em tempo de aulas, a procura aparenta ter subido de forma considerável neste trajeto”, comentou.
Ainda sobre o lote 5 da rede UNIR, que engloba os concelhos de Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis, Arouca, S. João da Madeira e Vale de Cambra, o mesmo utilizador apontou que existe o “repetitivo incumprimento do contrato” relativamente à caracterização e à disposição da indicação do código da linha que o veículo serve, situação essa verificada em vários autocarros. “Situação aceitável no início, mas, dado que já passaram quase 24 meses, deixa de ser razoável”, salientou.

“A maioria dos utilizadores do lote 4 e 5 não formaliza a reclamação e, entre os que o fazem, muitos recorrem ao contacto direto por e-mail com o operador, o que inviabiliza a contabilização e supervisão pela AMT”

Tal como reportado por Zeferino Teixeira, também este utilizador referiu as alterações dos horários de setembro, em que durante cerca de duas semanas registaram-se “diversas falhas” no cumprimento e na realização de horários, nomeadamente nas linhas 1215, 1410, 2037 e 1408. “O lote 5 sofre também da repetida e crónica importação de veículos usados maioritariamente de Espanha que, por vezes, aparentam não estar nas melhores condições estéticas e/ou funcionais”, afirmou o cidadão. “Desde que foram importados, há veículos que não dispõem da campainha funcional para solicitar a paragem e somam-se algumas avarias que acabam por impactar a boa execução dos serviços, sem esquecer os vários autocarros que já foram colocados a circular com informações, pintura e códigos QR relativos a Espanha onde efetuavam serviços pré-importação”, contou.
Para este cidadão, à semelhança de outros utilizadores, os horários deveriam ser ajustados para se adaptarem às necessidades inerentes aos movimentos pendulares da região. Referiu que a perceção geral é “maioritariamente negativa” nos lotes 4 e 5 e que, nos restantes lotes, a opinião é “muito positiva”, pese embora as falhas pontuais relacionadas com situações rodoviárias imprevisíveis. “Contudo, a maioria dos utilizadores do lote 4 e 5 não formaliza a reclamação e, entre os que o fazem, muitos recorrem ao contacto direto por e-mail com o operador, o que inviabiliza a contabilização e supervisão pela AMT [Autoridade da Mobilidade e dos Transportes]”, afirmou, acrescentando que as respostas do operador do lote 5 são “frequentemente vagas ou genéricas”, sem indicar “medidas concretas ou prazos claros de resolução”. Reconhecendo o esforço e a tarefa “hercúlea” da TMP [Transportes Metropolitanos do Porto] de tentar “corrigir” uma rede de transportes que “foi mal planeada”, salientou que a fiscalização tem sido “demasiado demorada” e que a TMP não transmite uma posição “suficiente forte” na fiscalização da rede. “O que fragiliza a confiança dos passageiros e o cumprimento efetivo das obrigações por parte dos operadores”, expôs. Em última análise, o utilizador realçou que pretende continuar a utilizar a rede de transportes pública com a “esperança que esta melhore”. “Destaco o trabalho de todos os motoristas de serviço público que, pelo menos no lote 5, compreendem, são solidários com o impacto das falhas no dia-a-dia das pessoas e que fazem o melhor que podem com os meios à sua disposição”, elogiou.
Entre as partilhas sobre as experiências vivenciadas na rede UNIR, a utilizadora Catarina Monteiro referiu que já assistiu a várias mudanças nos transportes, já que é uma passageira dos mesmos há 11 anos. Faz deslocações diárias de S. João da Madeira para o Porto e recordou os tempos da operadora TRANSDEV. “Temos muitos utilizadores a usarem as linhas Porto-S. João da Madeira, sendo que esse número cresceu imenso. Em horas de ponta, com a TRANSDEV, tínhamos autocarros de 15 em 15 minutos a partir das 17h”, relembrou. “Com a UNIR, temos duas maneiras de fazer este trajeto: linha 2026, que faz a Feira e vai até às Camélias, cuja frequência, de 30 em 30 minutos, é maior a partir das 17h até às 19h e muitas pessoas ficam de fora; linha 1410, que faz a viagem direta de S. João da Madeira até Campanhã. À partida, isto parece ser uma solução espetacular, mas não é assim tanto, porque a frequência é de uma hora e meia em uma hora e meia”, exemplificou. “Adoro as férias escolares, porque consigo andar bem nos autocarros. Agora, começou outra vez o caos; por várias vezes, fico sem conseguir entrar nos transportes”, lamentou, descrevendo que as condições das paragens de espera são maioritariamente “precárias”.
Em conversas diretas ou indiretas com outros passageiros, Catarina Monteiro contou que já chegou a ver uma pessoa a chorar à sua frente devido à frustração causada pelos períodos de espera ou falhas recorrentes. “Esta pessoa disse-me que saía de casa com a bebé a dormir, chegava a casa e a filha já estava a dormir”, partilhou. “Fazer este percurso de 30 quilómetros em mais de uma hora, às vezes, é uma perda de qualidade de vida. Não devíamos estar a caminhar para trás em relação ao transporte público”, opinou, enaltecendo que, mesmo assim, é “adepta” do mesmo, apesar de, muitas vezes, sentir-se aliciada a ir de automóvel para o trabalho. Recordou, ainda, a sessão passada da Assembleia Municipal, em que o presidente da autarquia, Jorge Vultos Sequeira, enalteceu o preço do passe. “Isso é importante, mas não resolve o problema. Acho que podemos queixar-nos na mesma, independentemente do preço”, declarou. “Recordo-me que a TRANSDEV, desde 2020 até passar a ser UNIR, tinha adesão a esses passes de 40 euros e tínhamos a frequência de 15 em 15 minutos. Quando anunciaram a UNIR, ainda me lembro da publicidade: «mais linhas, mais horários». Em relação aos percursos que faço, não houve mais horários, mas sim menos; já passou algum tempo e continuam a usar as mesmas justificações quando entro em contacto”, enfatizou Catarina Monteiro.

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