Sociedade

“O sonho de qualquer associação é não precisar de existir”

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O trabalho em prol da causa animal é contínuo, não tira férias e é abraçado por pessoas resilientes e com um enorme carinho pelos animais de quatro patas. Apesar da alegria quando um dos patudos é adotado e recebe um lar, a logística do processo adotivo é complexa. Pelos olhos de algumas das associações sanjoanenses que lutam todos os dias pelos animais, descobrimos o que é que move os voluntários que, além da sua vida pessoal e profissional, ainda arranjam tempo para cuidarem daqueles que mais precisam: os cães e gatos que ainda não tiveram a sorte de ter um final feliz.

Simba, à semelhança de um cão de guarda, dirige-se automaticamente ao portão do albergue onde está instalada a associação Ani São-João mal chega alguma visita. Protetor, ladra enquanto é acompanhado pelo som homónimo de centenas de cães, que não estão atrás de si, mas nas respetivas boxes do abrigo. Simba passou os últimos anos no abrigo, mas será adotado pela sua madrinha que, por mero acaso, pertence à Ani São-João – Associação dos Amigos dos Animais de S. João da Madeira. É a associação mais antiga do concelho, constituída no dia três de junho de 2009. Se, há anos, a associação cuidava na íntegra dos animais do canil municipal, os tempos evoluíram até a coletividade ter o seu próprio albergue.
No núcleo constante da Ani São-João, estão presentes 11 membros, além de meia dúzia de voluntários. Pode parecer um número interessante, mas, mediante o trabalho constante, acaba por ser sempre insuficiente. Em 2024, entraram 181 animais no abrigo e o resultado do ano foi de 132 adoções. Só este ano, a associação já acolheu mais 65 animais, dos quais 22 são cães e 43 foram gatos. “De ressaltar que não temos gatil”, observou a presidente de direção, Adriana Pereira. “Temos mais facilidade de termos espaço para gatos por causa das famílias de acolhimento temporário (FAT), enquanto os cães necessitam de uma logística diferente”, explicou. De oito boxes no canil municipal para o albergue atual, possível ao abrigo do Orçamento Participativo, este é alvo diário de manutenções, com um apoio anual de seis mil euros da autarquia sanjoanense. No entanto, o trabalho no terreno é essencial para que a associação consiga dar resposta a todas as necessidades do albergue. Só em custos veterinários do ano passado, foram necessários cerca de 13 mil euros.
Os objetivos atuais são claros. Arranjar forma de criar um gatil no abrigo, ter mais voluntários em prol da causa animal e conseguir o maior número de adoções responsáveis. À semelhança de qualquer pessoa, os membros da associação têm a sua vida pessoal e profissional, o que os impede de estarem presentes 24 horas por dia a realizar as tarefas diárias e obrigatórias de que o albergue necessita. Para que nada falte aos cães acolhidos, contam com duas colaboradoras, uma a tempo inteiro e outra a tempo parcial. “Efetivamente, não temos voluntários suficientes para conseguirmos assegurar o tratamento dos animais”, esclareceu Adriana Pereira. “Se não tratarmos de alguma questão de BackOffice hoje, amanhã podemos fazê-lo, mas o abrigo tem de ser assegurado todos os dias. Não há férias”, descreveu.

Em 2024, a Ani São-João conseguiu que 132 animais fossem adotados

Mesmo assim, as voluntárias são sempre bem-vindas, uma vez que o leque de tarefas é enorme. “As pessoas pensam que quem está na causa animal trabalha [de forma remunerada] na causa animal. Todos os elementos têm os seus trabalhos e as suas famílias e, além disso, todos têm pequenos albergues em casa”, enfatizou a vice-presidente da associação, Cecília Santos. “A causa animal move-se de duas maneiras: com muito amor à camisola e ao lidar com o melhor e o pior das pessoas”, afirmou. Adotar “um cão doente, velhinho ou há muitos anos no albergue” são cenários que enchem o coração das voluntárias, mas, maioritariamente, são outros os casos que mais ocorrem diariamente, como quando as pessoas “devolvem” o animal, tanto às ruas, como ao abrigo.

Ani São-João
Cecília Santos e Adriana Pereira (Ani São-João)

“Emocionalmente, é muito duro”, admitiu Adriana Pereira. Cuidar do animal resgatado ou abandonado, tanto a nível físico como emocional, é uma tarefa complexa. “Temos de ter a certeza de que a pessoa tem condições de acolher o animal. Falamos de um ser vivo e não de um objeto”, enfatizaram a vice e a presidente de direção.
As ações de angariação de fundos, através de rifas, diretos, sorteios ou mercados, são fundamentais para apoiar as atividades da associação, desde a alimentação dos animais até à manutenção do próprio abrigo. São vários os cães que vivem definitivamente no abrigo, uma vez que, por vários motivos, não são escolhidos pelos possíveis adotantes. “O sonho de qualquer associação é não precisar de existir”, refletiu Cecília Santos. “A partir do momento em que não formos necessárias, o objetivo está concluído. A causa animal é desgastante; engane-se quem pensa que é fácil. Não o é”, declarou. Apesar das dificuldades intrínsecas à causa animal, a associação não para e a sua linha de merchandising continua a evoluir, de modo a angariar verbas para os patudos. T-shirts, canecas, garrafas, lancheiras, toalhas de praia e aventais são alguns dos novos produtos da Ani São-João. Para além disso, a agenda e o calendário anual contam sempre com as fotos dos seus “meninos”.

“O problema é que não nos cedem nenhum espaço devoluto”

Num espaço colorido situado numa propriedade privada, mais de uma centena de gatos encontram abrigo. Não importa a cor, nem possíveis problemas de saúde. A associação Oficinas Entre Gatos acolhe, na medida do possível, os felinos das ruas da cidade sanjoanense. Apesar dos esforços constantes de manutenção do abrigo, o número constante de animais a precisarem de apoio é cada vez maior. “O objetivo não era este; o problema é que não nos cedem nenhum espaço devoluto”, lamentou Alexandra Rodrigues. “Não há dinheiro para comprar nada; nem para pagar as dívidas que temos, quanto mais para comprar seja o que for. É por isso que nos adaptamos com aquilo que temos”, complementou Carla Faria.

Oficinas Entre Gatos
Carla Faria e Alexandra Rodrigues (Oficinas Entre Gatos)

A 13 de setembro deste ano, a associação completa quatro anos de existência. Não negam os pedidos de ajuda que recebem, tentando sempre que os felinos usufruam de uma adoção responsável para que outros possam entrar. Uma tarefa hercúlea, dado que, na prática, estas duas voluntárias são praticamente as responsáveis por todos os gatos que ali residem. “Nós gerimos tudo. Depois, há outras pessoas que nos ajudam com situações que não têm a ver com o abrigo em si; no banco alimentar e nos diretos para angariar verbas”, exemplificou Carla Faria. A ajuda exterior ao abrigo pode ser pontual, mas a vida entre gatos é diária. “Se vemos mais hipóteses de fazer as capturas [programa CED – Captura, Esterilização e Devolução], deveria existir uma verba para realizar isso em massa”, referiu Alexandra Rodrigues. “Tem que haver um procedimento com mais vagas para se conseguir chegar mais longe; enquanto estamos à espera, as gatas já estão a dar à luz”, explicou Carla Faria.
Apesar do trabalho levado a cabo pela Oficinas Entre Gatos, a associação não tem qualquer tipo de apoio. “O abrigo foi feito com a nossa luta diária”, salientou Carla Faria. Segundo ambas as voluntárias, conjugar a vida pessoal e profissional com o abrigo é “difícil”. Há mais de 20 anos a abraçar a causa animal, Alexandra Rodrigues é educadora de infância, mas teve que optar por outro tipo de profissão para conseguir conciliar tudo. Exerce funções num centro de estudo há 19 anos e, mediante o horário escolar atual, de manhã está no abrigo, que pertence à sua habitação, e de tarde, após o trabalho, só regressa a casa a partir das sete. Há cães no abrigo, mas a população maioritária incide nos felinos. “Durante a semana, eu e a Carla ativamos o modo «speed». Limpar, dar-lhes de comer – verificar quem come ou se há algum gato mais apático que precise de ir para a clínica –, contactos com clínicas, telefonemas, entre muitas outras coisas”, descreveu Alexandra Rodrigues. Carla Faria trabalha por conta própria e gere o seu tempo mediante a causa animal. Por volta da hora de almoço, ambas as voluntárias unem esforços na sua rotina diária de apoio aos animais. “Faço a gestão das clínicas porque consigo conciliar isso com o meu trabalho”, explicou Carla Faria.

A dívida da associação Oficinas Entre Gatos às clínicas ronda os 14 mil euros

A associação trabalha com três clínicas, sendo que o maior volume de dívida se concentra na Clínica Veterinária do Parque e na Clínica Veterinária de Esmoriz. “Têm sido muito pacientes connosco. Temos um protocolo em que damos um valor por semana para minimizar a dívida”, afirmou Carla Faria. Atualmente, a dívida é de cerca de 14 mil euros em ambas as clínicas. “Estamos sempre a entregar dinheiro, mas nunca é o suficiente”, lamentou Alexandra Rodrigues. Os donativos são escassos, mas a associação organiza campanhas para tentar saldar as dívidas. No entanto, não é apenas a conta do veterinário que preocupa as voluntárias. “Temos que ter areia, ração, patés, medicação e combustível quando andamos no terreno”, exemplificou Carla Faria. “Pago a renda, água e luz; são despesas que não saem das doações. Caso contrário, era impossível”, complementou Alexandra Rodrigues.
Os pedidos de ajuda são oriundos não apenas de S. João da Madeira, mas de concelhos limítrofes. Por muito que queiram ajudar, a Oficinas Entre Gatos não consegue dar resposta a todos os pedidos que vão surgindo. Mesmo assim, a associação conseguiu que mais de 60 gatos fossem adotados em 2024, assim como 10 cães. Contam com alguns apadrinhamentos entre os animais que acolhem, mas gostariam de ter mais pessoas a ajudar a causa animal. “A sociedade em si acha que as associações têm a obrigação de ajudar, de ir buscar, de trazer, de cuidar; a obrigação tem de ser de todos. É da responsabilidade de toda a gente que passa por um gato [perdido e/ou abandonado] fazer alguma coisa”, apelou Carla Faria. Além de toda a carga de trabalho que a causa animal exige, os sentimentos de pressão e incompreensão são constantes. “Não ganhamos dinheiro com isto; bem pelo contrário”, sublinhou Alexandra Rodrigues.
O município apoia na colocação do microchip e, aos seis meses de vida de um gato, os donos são contactados para efetuarem uma esterilização gratuita no canil intermunicipal, situado em Ossela. “Se não quiserem fazê-lo [devido à distância], temos um protocolo com a clínica da Praça de S. João da Madeira onde as pessoas podem ir com um desconto”, explicou Carla Faria. As responsáveis pela Oficinas Entre Gatos ainda não conseguiram abrir uma conta em nome da associação, uma vez que têm de alterar os estatutos. “Muitas pessoas perguntam-nos se podem doar o IRS à associação; ainda não, porque ainda não somos uma associação de utilidade pública. Daí a necessidade de mudança dos estatutos”, esclareceu Carla Faria. O apoio financeiro é indubitavelmente importante e, nesse sentido, a associação organiza ações de campanha para angariar verbas para os animais. O maior desejo de ambos os membros da Oficinas Entre Gatos é evidente. “Quem nos dera que o abrigo estivesse vazio para podermos salvar mais vidas”, enfatizaram.

“Não há descanso, principalmente no fim de semana”

Juntos e Livres
Leila Leão e Margarida Reis (Juntos & Livres)

A associação Juntos & Livres nasceu em junho de 2023, tornando-a uma das coletividades mais jovens em prol da causa animal do concelho sanjoanense. Não têm sede própria nem qualquer tipo de abrigo como acontece, apesar dos diferentes contextos, com a Ani São-João e com a Oficinas Entre Gatos. No entanto, em colaboração com o município, 223 animais foram adotados em 2024. Atualmente, a associação conta com duas voluntárias. “A Leila e a Margarida são, sem dúvida, as que estão diariamente no terreno”, enfatizou a presidente, Joana Pinto.
A vice-presidente da coletividade, Leila Leão, referiu que um espaço físico é um dos objetivos da Juntos & Livres, apesar de ter consciência de que o número de voluntários pode não ser o suficiente para gerir um abrigo de animais. Enquanto ainda não há uma sede física de acolhimento e pessoas para a gerirem, o papel principal da Juntos & Livres diz respeito à dinamização do programa CED. “Capturamos os animais, levamo-los para o gabinete veterinário municipal e, por semana, são esterilizados quatro gatinhos”, descreveu Leila Leão. Na perspetiva de Joana Pinto, quanto mais vagas, melhor. “Poderiam ser mais, porque há muitos gatos para esterilizar”, considerou. Na rua, as ninhadas de gatos são muitas e Lélia Leão admite que ficam em “desespero” nas atividades de recolha e de cuidado aos animais, assim como arranjar FAT para os felinos. “Tem sido complicado”, começou por dizer a vice-presidente que, todos os dias, vai ao gabinete veterinário municipal. “Se não tiverem gatinhos, folgo nesse dia”, contou, entre risos, apesar de esse cenário ser menos provável de acontecer. “Não há descanso, principalmente no fim de semana”, admitiu.
Leila Leão constrói várias casotas para os animais de rua, de forma a abrigá-los da chuva, do frio e de outros elementos. “Mais do que um comedouro, é preciso um abrigo na rua. Há vários locais que o têm; por que é que S. João da Madeira não tem?”, opinou a vice-presidente. A garra e a resiliência, características comuns dos associativistas em prol da causa animal, são essenciais para enfrentarem as dificuldades diárias. “Paté, ração, casotas… Tudo isto custa dinheiro. No entanto, com o maior prazer do mundo, passo as madrugadas a fazer casotas”, contou Leila Leão. As campanhas levadas a cabo pela associação servem para angariar bens alimentares, como paté e ração, assim como bens monetários, que servem, por exemplo, para aplicar nos cuidados médicos.

A associação Juntos & Livres não tem sede própria, mas acompanha cerca de 20 colónias de gatos

Mais de uma dezena de colónias são acompanhadas pela Juntos & Livres e Joana Pinto sublinhou que, quanto mais voluntários apoiarem a causa, melhor o trabalho é repartido e acaba por minimizar o cansaço das pessoas que estão no terreno. O amor é partilhado por todos os voluntários, assim como o cansaço inerente à causa. Em geral, as associações pedem mais apoio – às pessoas e ao próprio município – para continuarem a cuidar dos animais que, sem voto na matéria, são abandonados na rua e encontrados em circunstâncias lastimáveis. No entanto, a gratificação de uma adoção bem-sucedida supera todas as situações menos boas que, todos os dias, as pessoas que lutam em prol desta causa enfrentam.

 Apoie a causa animal

Há várias formas de ajudar, desde o trabalho voluntário até à oferta de bens materiais ou monetários. As associações descritas nesta reportagem são exemplos disso mesmo e as doações são essenciais para conseguirem concretizar o seu trabalho diário.

○ Ani São-João: IBAN PT50 0010 0000 4309 3970 0011 8
○ Juntos & Livres: IBAN PT50 0007 0000 0076 5440 7752 3
○ Oficinas Entre Gatos: 927 291 422 (via MB WAY)

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