A sociedade civil não sabe lidar com a saúde mental e o Serviço Nacional de Saúde não tem respostas suficientes. É a convicção dos dirigentes da Mentemovimento.
Em 2016, um movimento cívico fundou a Mentemovimento — Associação Pró Saúde Mental de Entre Douro e Vouga, tendo como objetivo o apoio, formação, intervenção, avaliação e investigação, no domínio da saúde mental e da reabilitação psicossocial de pessoas com experiência de doença mental e dos seus cuidadores.
Em 2018, com o apoio do Município de S. João da Madeira, a iniciativa ganhou consistência, através da participação no Projeto Habitus. Em 2020, conseguiram o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e, agora, aguardam a resposta à candidatura feita à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados em Saúde Mental. A ideia passa também por procurar outras linhas de financiamento, uma vez que, até agora, a Câmara Municipal de S. João da Madeira tem sido a única fonte de apoio pecuniário.
Acontece que não há prazo para a resposta a essa candidatura, conforme explica o presidente da direção da Mentemovimento, Ademar Silva. “Um dos problemas com que se debate mais a sociedade civil e, particularmente, quem se enquadra [neste contexto] é a falta de critério para saber quanto tempo demora uma resposta da ARS – seja qual for a região”, refere, acrescentando ter uma carta, recebida em maio, que dava nota de uma resposta “brevemente”.
Foi também em maio que ficou concluída a requalificação das instalações cedidas pela Câmara Municipal, localizadas na Praça Barbezieux, permitindo assim acolher a unidade sócio-ocupacional e garantido a manutenção do acompanhamento às pessoas que participaram no projeto Habitus.
“Quanto mais tempo estou aqui, mais percebo que sei menos sobre saúde mental e é, provavelmente, a razão por que há tanto estigma e as pessoas com experiência de doença mental sofrem tanto e são tão anónimas na sociedade civil. É um problema seríssimo”, realça Ademar Silva.
O dirigente sanjoanense está convencido de que “toda a gente fala de saúde mental, mas por causa da covid”, considerando que “as pessoas não têm sensibilidade” para lidar com este tipo de patologia.
Nesse sentido, para Ademar Silva, é dessa falta de sensibilidade que resultam “frases estigmatizantes como ‘ele é doido’”, sem que quem as profere perceba “o impacto que isso tem em cada utente e nos familiares”. É que a comunidade que sofre, sustenta o responsável, são também os cuidadores e, nesse sentido, na Mentemovimento todos andam num processo educativo.
O próprio presidente faz questão de partilhar um episódio que procuramos reproduzir: uma intervenção cirúrgica para remover um quisto deixara umas marcas no pescoço de uma pessoa da sua família. Por isso, quando Ademar Silva viu um jovem igualmente com marcas no pescoço perguntou-lhe ‘também tiveste um quisto?’, de uma forma que conta ter sido “com frieza”. Recebeu como resposta ‘não. Tentei-me suicidar’. Para Ademar Silva, a pergunta fora uma “estupidez”, que partiu também da falta de sensibilidade e ferramentas da sociedade, de uma forma geral (e suas em particular), para lidar com doença mental.
Artigo disponível, em versão integral, na edição nº 3854 de O Regional, publicada em 29 de julho de 2021