Sociedade

“O bairrismo sanjoanense acabou”

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Hoje assinala-se o 40.º aniversário de elevação de S. João da Madeira a cidade, uma data significativa para a história sanjoanense. “O Regional” falou com alguns empresários da terra para perceber o que é que mudou ao longo destes 40 anos.

Há 40 ou até mais anos a laborar por terras sanjoanenses, a opinião dos empresários entrevistados é unânime. Muita coisa mudou ao longo destes 40 anos em S. João da Madeira, mas nem todos os empresários, em entrevista ao jornal “O Regional”, concordaram que tudo terá sido para melhor.
Veja-se o caso da Óptica David de S. João da Madeira, que vai completar 40 anos em setembro. Começou por se instalar no primeiro centro comercial da cidade e, por motivos relacionados com o espaço, mudaram para a Rua Oliveira Júnior; onde ainda estariam, “mas para o comércio não seria bom”. O empresário António Válega, da Óptica David, começou por dizer que, ao longo destes 40 anos, a cidade evoluiu. “Ficou mais acolhedora e arrumada, embora a nível comercial estejamos a ficar um bocadinho esquecidos. No início da minha atividade, havia melhor comércio em S. João da Madeira e arredores. Só no Porto é que existia comércio tão bom como em S. João da Madeira”, considerou o responsável da Óptica David.
Para António Válega, existem alguns fatores que contribuíram para o atual estado do comércio tradicional. “A idade de alguns comerciantes, a falta de atração por conta das grandes marcas, a falta de investimento dos próprios comerciantes e as novas estradas; isto porque S. João da Madeira já foi o centro de passagem das nossas terras vizinhas”, enumerou o empresário, acrescentando que a Óptica David ainda cria eventos, procura dar formação aos seus colaboradores e está presente nas feiras de moda, sem esquecer que tenta sempre estar preparada para as novas tendências. “Temos de ter gosto e zelo. Temos de olhar para o comércio como olhamos para a nossa casa; bem arrumada e limpa. Há muito comércio em S. João da Madeira que parou no tempo”, lamentou.
E a nível político? António Válega considerou que os autarcas têm colaborado com a Associação Comercial e Industrial de São João da Madeira (ACISJM) ao longo dos anos, mas que deveriam existir ainda mais atividades. “O comércio mais antigo pode não ter clientes como antes, mas precisava de ajuda a nível autárquico com eventos e em tudo o que se faz na praça”, sugeriu o empresário, dando como exemplo as visitas guiadas de turismo na cidade. “Não há um aproveitamento deste serviço em passar por lojas ou por determinadas avenidas. Poderia ser uma medida a ser aplicada no futuro; só teria vantagens para cativar o comércio”, adiantou.
Definir estes 40 anos de trabalho no concelho sanjoanense foi quase automático para António Válega. “S. João da Madeira é uma cidade de trabalho. Desde sempre, foi uma cidade em que os sanjoanenses se dedicam muito ao trabalho, cada um na sua área”, descreveu. “Tenho muitas saudades das pessoas destes 40 anos; principalmente, dos grandes empresários de S. João e da indústria que nos visitavam e que sentiam orgulho e – porque não? – um bocado até de vaidade e orgulho de ter uma grande loja como a nossa que era e ainda é um ponto de referência em S. João”, contou, acrescentando: “Já ponderamos em mudar de cidade, mas eu sou sanjoanense, é aqui que gosto de estar e tenho muito a agradecer a todos os clientes que continuam connosco.”

“Há pouca gente que ‘vive’ S. João da Madeira”

Ao longo destes 40 anos, existiram quatro laboratórios em S. João da Madeira. Desses quatro, apenas um está ativo atualmente: o Centro Médico da Praça (CMP). “Tudo foi passado para grandes grupos. Não se deu continuidade àquilo que existia”, comentou o administrador do CMP, Fausto Sá. “A cidade desenvolveu-se rápido em termos de prédios e estruturas, mas, há 40 anos, acho que tínhamos uma percentagem muito grande de pessoas que tinham amor à terra. Nos dias de hoje, há pouca gente que ‘vive’ S. João da Madeira e isto nota-se em todas as áreas”, afirmou.
Um dos exemplos incide na área do desporto e a nível empresarial. “Havia amor às classes desportivas. Lembro-me que a [Associação Desportiva] Sanjoanense tinha uma posição a nível de sócios brutal; atualmente, não há tanta indústria a colaborar com a ADS… O bairrismo perdeu-se”, lamentou. “A indústria também está decadente. A maior parte daquela indústria forte de S. João, como o calçado, a chapelaria e não só, desapareceu”, apontou.
Com a consciência de que, há 40 anos, a vida era “mais difícil”, Fausto Sá enfatizou o papel importante dos valores sociais na comunidade. “O valor moral é muito importante. O valor económico tem também o seu significado, mas não é por aí que devíamos ‘entrar’ a todo o custo. A nova geração mudou. Valores? Gostava de saber onde eles estão”, declarou retoricamente o administrador. “A minha função, enquanto prestador de serviço de saúde, é garantir a qualidade dos serviços prestados, quer para o Estado, quer para o particular. Enquanto for vivo – e penso que os meus filhos também vão seguir esta linha de raciocínio –, não permitirei a deterioração da humanização da estrutura dos nossos serviços”, assegurou.

“A cidade era melhor do que é hoje”

Desde 1958 que a barbearia de José Barreira, o negócio de família, labora por terras sanjoanenses. Há 40 anos, José Barreira empregava cinco funcionários. Hoje, trabalha sozinho. “No tempo do meu falecido pai, era necessário ir à Câmara Municipal pedir um alvará. Hoje, monta-se o negócio e pronto; a concorrência não é como antigamente”, afirmou o barbeiro. “Há 40 anos, a cidade era melhor do que é hoje. Não havia tantos salões e as pessoas tinham mais vaidade. É claro que S. João da Madeira tinha menos pessoas, mas mais pessoas trabalhavam cá”, contextualizou.
José Barreira recordou os tempos em que o trânsito passava pelo centro da cidade. Era “diferente” e “bonito”. Assim descreveu o centro da Praça Luís Ribeiro que, ao longo das décadas, foi alvo de diversas alterações. “O trânsito devia passar novamente pelo centro, para bem dos comerciantes e da própria cidade”, declarou José Barreira. “O bairrismo sanjoanense acabou. Já não existe”, enfatizou.

“As pessoas vinham de todo o lado”

Há 47 anos instalada na cidade sanjoanense, a Casa Orquídea Florista já passou por um pouco de tudo; e que o diga a proprietária, que vive em S. João da Madeira há 56 anos. “A cidade foi completamente transformada. Eram só campos; campos de produção de milho e não só”, descreveu Rosa Cardoso. “Havia uma amizade entre clientes e empregados que hoje não existe. Existiam mais valores; não tenho dúvidas disso! Os amigos que tenho hoje são aqueles que conheci nesse tempo”, exemplificou.
Apesar de a empresária considerar que S. João da Madeira esteve “sempre um passo à frente”, atualmente está a ficar “parada”. “Há 40 anos, era um movimento doido nas ruas. É verdade que também não existiam as grandes superfícies da atualidade; quando abria as portas, as pessoas vinham de todo o lado e vendia a maior parte das coisas”, recordou, com saudosismo.
Com “casa feita há muitos anos”, Rosa Cardoso admitiu que são os clientes provenientes do exterior do concelho que lhe trazem o seu sustento. “Se não tivesse os meus clientes de fora, apenas com os clientes de S. João da Madeira não conseguia sobreviver. Tenho o privilégio de manter a casa, mas abrir hoje em dia uma loja por cá… Não sei se arriscava”, reconheceu. Para a florista, o sentimento é de “tristeza” quando olha para S. João da Madeira e vê as casas fechadas. “Quem tem as portas abertas, tem tido uma luta tremenda para as manter assim. O que é que se há de fazer?”, desabafou.

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