Sociedade

Homem acusa médica de negligência

• Favoritos: 95


Deu entrada nas urgências do hospital da Feira após um acidente de trabalho. No entanto, aquilo que parecia ser algo “simples” tornou-se num pesadelo na vida deste homem de 58 anos. Perdeu um dedo e garante que foi por “negligência” médica. Aguarda respostas por parte dos responsáveis da Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga.
Aos 58 anos, Manuel Ribeiro diz que se sente um inválido. Sai à rua apenas para sessões de fisioterapia e consultas médicas, depois refugia-se em casa, após a perda do dedo médio de uma das mãos.
Este homem deu entrada no serviço de urgência do Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira, a 30 de agosto, cerca do meio-dia, após ter sofrido um acidente de trabalho numa corticeira.
“Piquei dois dedos e uma das picadas chegou mesmo ao osso.” Já na urgência, “as dores eram de tal forma fortes” que diz ter sido medicado logo na triagem. Após avaliação, que juntou “num pequeno gabinete cerca de quatro profissionais de saúde”, a médica ortopedista terá procedido a uma “pequena intervenção nos dedos”. Até aqui, tudo correu bem. Manuel saiu do hospital por volta das 14 horas desse dia, com indicação de passar pelo Hospital de S. João da Madeira na segunda-feira seguinte, para proceder à mudança do penso, já que a médica estaria de serviço na unidade sanjoanense e, além de o “querer avaliar”, garantiu-lhe que o processo deveria ser feito na unidade hospitalar, e não no serviço de enfermagem do Centro de Saúde.
Já em S. João da Madeira, foi chamado não pela médica, mas pelas enfermeiras, que se aperceberam de que Manuel teve um “garrote, uma borracha amarrada ao dedo”, durante três dias. Ao verificarem o estado do dedo, que se encontrava “negro, com gangrena”, alertaram a médica para o caso. “O dedo estava simplesmente morto”, conta o queixoso. Em causa, explica, está a morte dos tecidos causada por interrupção do fluxo sanguíneo e oxigénio, provocando a necrose.
Manuel ficou “sem chão” quando se apercebeu que ia ficar sem o dedo. Perante o cenário, conta o próprio, a médica ortopedista terá confessado que esta “fora a primeira vez que isto lhe aconteceu”, e disponibilizou-se para o tratar e acompanhar, “evitando desta forma que fosse acompanhado pelos médicos do seguro”. “Mas claro que participei aos médicos do seguro, porque foi no local de trabalho que me magoei”, sublinha.

“Hospital da Feira demora sete meses a entregar relatório”

O homem assegura que já solicitou à direção do hospital da Feira todos os seus relatórios. “Demoraram sete meses a enviar apenas o da médica, quando eu quero também os da enfermagem.” Acrescenta ainda que os documentos entregues contêm “inverdades”, nomeadamente na nota da consulta externa de 2 de setembro: “Escreveram ‘Remoção de fragmento de luva da base do dedo. Revela ferida sangrante ou hemorrágica controlada’, quando já não se verificava circulação de sangue”, denuncia. Assegura que já solicitou esclarecimento ao hospital. “Quero os dados corretos nos relatórios.”
A vida de Manuel mudou radicalmente. Já foi submetido a duas cirurgias à mão. “Eu vivo do meu trabalho e temo não conseguir trabalhar mais”. Está, atualmente, a ser acompanhado em psicologia e psiquiatria, e em ortopedia pelos médicos do seguro. Já perdeu a conta às sessões de fisioterapia que realizou e às que ainda tem pela frente. Não se conforma por ter perdido a mobilidade e agilidade na mão, o que o impede de trabalhar e de ter uma vida normal. Conta que tudo seria diferente se o acidente lhe tivesse cortado logo o dedo: “Sabia que tinha sido do acidente. Agora, por negligência médica, não me conformo. As minhas noites são passadas em claro”, rematou.

“Um erro como este nunca pode acontecer”

Um médico ortopedista, que pediu reserva de identidade, diz ter acompanhado a situação à posteriori, já numa fase de resolução do processo de Manuel Ribeiro.
“Quando o senhor chegou ao meu consultório, já vinha com as duas cirurgias feitas. Não o vi na fase inicial, mas vi as imagens que me mostrou e fiquei espantado, porque eu nunca vi tal coisa. Como é que alguém se esquece de retirar o garrote do dedo? Isto nunca pode acontecer”, refere o médico, com longos anos de experiência em traumatologia pesada.
Conta ainda ao O Regional que “os azares acontecem a qualquer um. Não devemos criticá-los, desde que as coisas sejam feitas conscientemente. Um erro como este nunca pode acontecer” — mas, na verdade, aconteceu.
Explica também que, inicialmente, e no hospital da Feira, foi feita uma intervenção com anestesia local, o que “pode efetivamente ser feito”, mas o erro foi o que ali ficou: “o dedo ficou amarrado com o garrote durante vários dias”.
Aquilo que começou com uma amputação mínima de um dedo culminou na amputação do dedo inteiro, “atingindo o meio da mão”, o que para o especialista é de “uma agressividade brutal” e que condicionará “para sempre” a vida deste homem.
O médioco em “traumatologia pesada” conta que episódios como este são “o reflexo daquilo que se está a passar na saúde deste país — uma fase muito problemática e transversal a todo o país”, rematou.
A nossa reportagem contactou a Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga (ULS EDV) para obter esclarecimentos sobre as acusações de Manuel Ribeiro, mas, até ao fecho da edição, não obtivemos resposta em tempo útil.

95 Recomendações
1598 visualizações
bookmark icon