Sociedade

“Há cada vez mais jovens da cidade a irem a Fátima a pé”

• Favoritos: 65


A viagem é longa. Pelo caminho, entoam cânticos, rezam o terço e convivem. Na última semana, foram vários os grupos de peregrinos que passaram por S. João da Madeira, e também alguns sanjoanenses deram início à sua caminhada, procurando chegar a tempo às celebrações de 12 e 13 de maio, em Fátima.
Embora o número de peregrinos que vão a pé para o Santuário de Fátima seja mais elevado nos meses de maio e outubro, é cada vez mais comum encontrar caminhantes nas estradas, durante todos os meses do ano.
Filipe Almeida integra um grupo de 25 pessoas que partiram, no dia sete, de S. João da Madeira, pouco depois das quatro da madrugada. É um dos responsáveis pela organização da deslocação deste grupo, que junta ainda pessoas de outros concelhos e que, todos os anos, por esta altura, percorrem aproximadamente 183 quilómetros até ao grande Altar do Mundo.
“Esta é a minha 6.ª peregrinação. No primeiro ano, fiz todos estes quilómetros sozinho, de mochila às costas, com um propósito só meu, em total sofrimento. Algumas pessoas deste grupo acolheram-me e ajudaram-me a chegar ao Santuário de Fátima”. Depois desse ano, explica, que o seu “único propósito”, desde então, é ajudar a organizar o grupo, prestar auxílio “a quem mais necessita, para que todos cheguem com sucesso e atinjam os seus objetivos.”
Refere ainda que o grupo tem vindo a aumentar nos últimos anos. “Começámos com 15 e já vamos nas 25 pessoas. Cada vez há mais jovens da cidade a ir a Fátima a pé, porque acreditamos que há algo mais do que este caminho. É um grupo aberto, que vai acolhendo pessoas que estão mais isoladas.”
A história de Jorge Guimarães é idêntica à de Filipe. Há cerca de quatro anos, decidiu, com uma amiga de infância, cumprir uma promessa feita. Partiram do Porto e, pelo caminho, encontraram o grupo de S. João da Madeira, que os acolheu “muito bem”. Desde essa altura, juntou-se para “ajudar os participantes” deste grupo sanjoanense, e também ele passou a integrar o mesmo.

“Nas minhas caminhadas a Fátima, verifico que, na verdade, não tenho problemas na vida”

Revela, em declarações a ''O Regional'', que, atualmente, acompanha o grupo “não em promessa, mas para ajudar, da mesma forma que diz ter sido ajudado nessa altura”. O grupo era constituído por pessoas “mais velhas e experientes nestas caminhadas”, mas, nos últimos dois anos, foi-se renovando, destacando-se também a entrada de jovens.
“Nas minhas caminhadas a Fátima, verifico que, na verdade, não tenho problemas na vida. Tenho a minha família com saúde, estamos empregados e isso é importante agradecer. Vir a Fátima sem promessa também é uma forma de agradecimento. Espero não ter que vir com a necessidade de uma promessa, mas quero vir sempre com o sentido de ajudar aqueles que têm a promessa para cumprir.”
O grupo de S. João da Madeira chegou ao Santuário no último sábado, cerca das 14h30, e percorreu, aproximadamente, 45 quilómetros por dia.
“Vamos sozinhos, mas há sempre muita gente com quem nos juntamos.” Foi assim que Pedro Neto resumiu a experiência que vive ao lado do amigo das “motas” João Silva. “Este ano decidimos vir nesta altura, mas já o fizemos em fevereiro e março. O Importante é cumprir a promessa, seja qual for a altura do ano. A fé não tem mês”, confessa a ''O Regional''.
Ambos partiram de Santa Maria da Feira na passada terça-feira, rumo ao Santuário de Fátima. A primeira paragem foi no centro de S. João da Madeira, onde aproveitaram para descansar e fazer contas aos quilómetros que ainda tinham pela frente. Pedro sublinha que “a viagem é sempre muito bem pensada, e está tudo programado: almoços, jantares e dormidas.” Estes dois amigos ao longo do percurso, cruzam-se com homens e mulheres de diferentes idades, vestidos de forma prática, uns mais habituados às longas caminhadas, outros a estrear-se. Uns seguem com passo firme, outros já mostram sinais de cansaço.
Pedro Quaresma, de Vila Nova de Gaia, é peregrino há mais de 15 anos. Sobre o motivo da sua caminhada, prefere não entrar em detalhes. “O importante é cumprir aquilo que prometemos num momento de aflição. A fé também é isto. O nosso silêncio e a necessidade de agradecer a Nossa Senhora seja ou não praticante da igreja.” Ao seu lado, encontramos António Lopes. Acompanhamos o percurso ao seu lado pela rua Visconde. “Não podemos parar. Só mesmo para descansar”, atira, acrescentando que prometeu que os primeiros anos “seriam para cumprir a promessa. Depois, enquanto puder, virei sempre. Faz-me sentir realizado espiritualmente”, confessa.

Um “misto de emoções”

Peregrinos

Muitos dos peregrinos conhecem bem o caminho, por já o terem feito várias vezes. Outros aventuram-se pela primeira vez, caminhando, em média, nove horas por dia.
Durante uma pausa no centro da cidade, encontrámos também Sandra Resende, de 58 anos, que há seis anos cumpre esta promessa. Este ano, decidiu dividir o percurso em quatro dias: 57 quilómetros no primeiro, 51 no segundo, mais 51 no terceiro, e os últimos 12 no dia seguinte. “É um sacrifício com muito valor para quem promete. Na vida nada se faz sem sacrifício. Não podemos ir como se fosse um passeio. O pensamento da promessa e a fé andam de mãos dadas”, confidencia a 'O Regional'. O grupo com quem caminha, composto por 20 pessoas, contou com o apoio constante de uma viatura. “É fundamental, porque nem todos têm a mesma capacidade física. Ajudamo-nos uns aos outros. A ideia é não deixar ninguém para trás.”
Ana Barbosa, que integra o mesmo grupo, garante que nunca teve uma bolha nos pés. “Felizmente, aguento bem. Faço sempre uma boa preparação antes da partida e escolhe sempre calçado largo e confortável”. Revela que, ao longo do caminho, estes homens e mulheres vivem um misto de emoções: “Dá para chorar, para rir, para rezar, para cantar. Há quem diga que Deus não quer este sacrifico. Mas eu sinto-me bem a fazer este longo trajeto”.
Independentemente do motivo, todos caminham movidos pela fé. Joana Teixeira, de 42 anos, saiu dos Carvalhos com um pequeno grupo de vizinhos. Mete férias todos os anos, nesta altura, para poder cumprir a promessa. “Custa sempre muito, e, depois, necessito de uns dias para descansar”, partilha.

65 Recomendações
1137 visualizações
bookmark icon