Sociedade

Há ainda sanjoanenses que recorrem ao fiado

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Muitos sanjoanenses continuam a recorrer ao fiado, na esperança de poderem pagar no final do mês. Se há comerciantes para quem esta prática é “impraticável”, outros continuam a aceitar o “fiado”, embora sabendo que correm riscos.

Antigamente, a despesa feita em várias lojas comerciais e no mercado municipal era apontada num caderno de capa preta e rasurada no final do mês, quando o dinheiro chegava. Hoje, esse método ainda é utilizado, mas “pontualmente”, uma vez que alguns lojistas do centro da cidade revelaram a ´O Regional’ ser “impossível atualmente” manter o fiado, pois é preferível “perder o cliente do que o cliente e o produto”. Mas há excessos.
Em mais de 40 anos de atividade, Isabel Gonçalves já viu muitos filhos tornarem-se pais e pais que agora são avós. Clientes de longos anos que considera como “prata da casa” e que facilita o pagamento, “mediante as possibilidades de cada um. Não gosto da palavra fiado. Gosto de facilitar e não fiar. Não tenho calotes. Só clientes-família”, como gosta de chamar e faz questão de salientar. A proprietária desta loja de moda adianta também que esta confiança não se aplica a quem ali chega pela primeira vez. “O meu produto é de grande qualidade, e não posso confiar no primeiro contacto”, apesar de reforçar que os seus clientes são de confiança e que nunca deixaram de cumprir. “Não deixa de ser bom, porque acabo também por vender mais, pois em vez de uma peça de roupa acabam por levar mais”, assume. Esta empresária diz que na sua área, se “não facilitar”, as pessoas acabam por não comprar, dado que “não são necessidades de primeira linha na vida das pessoas”.
Na entrada ao lado, conversamos com José Silvério e Laura Sequeira, proprietários de uma taberna, que serve diariamente refeições. “Temos clientes que pagam à semana e outros no final do mês” e, naturalmente, que confiamos, refere Silvério. O casal acrescenta que quem tem negócio “corre sempre o risco” de algo correr menos bem. “Já tivemos pessoas que entram comem e dizem que vão fumar e desaparecem. Outros que dizem que vão ao carro buscar a carteira e nunca mais aparecem”, mas são casos “pontuais” a que “estamos sujeitos”, atira Laura.
Alguns comerciantes referiram a ´O Regional’ que a determinada altura, o “fiado” parou em S. João da Madeira, mas, devido à situação económica, começaram a surgir novamente depois da pandemia. A maioria dos comerciantes contactados pela nossa reportagem entende as “muitas dificuldades” em que algumas famílias vivem e até compreendem que os mais lesados serão os que vendem bens alimentares. No entanto, consideram que também “existe uma má gestão familiar”.
Em muitos casos, à tradicional calculadora eletrónica, os comerciantes juntam agora o velho caderno de fiados, ou o amontoar de papéis com o nome e valores em dívida. Uma realidade que acontece numa loja de moda na cidade. “Temos alguns calotes há algum tempo e sentimos uma grande dificuldade em reaver esse dinheiro”, dívidas que se vão arrastando e que, “muitas delas, nem sabemos por onde andam, pois já lhe perdemos o rasto” referiu.

“Nós bem tentamos fugir”

Um pouco mais à frente, encontramos uma papelaria. Glória Rosa, proprietária da papelaria Lusíada na Rua Oliveira Júnior, lamenta a falta de clientes e de vendas, e refere que, infelizmente, já reúne uma coleção de “alguns calotes”, que vêm do tempo em que ainda vendia livros escolares. “Depois da entrada do voucher escolar, isso deixou de acontecer. No dia-a-dia não tenho, porque vendemos cada vez menos”, comentou a comerciante, admitindo que, em muitas situações, acabamos por ter “pena das pessoas”, arriscámos e, depois nem sempre corre como seria esperado”.
Por sua vez, o proprietário de um snack-bar, que pediu reserva de identidade, explicou a ´O Regional’ que existem clientes que lhe devem dinheiro, e que luta há anos para receber. Diz que, na maioria dos casos, já nem sabe do paradeiro de alguns devedores “e outros” vão pagando as primeiras e, na última conta, que é a sempre a maior, é que põe o calote, e isso acontece muitas vezes”, explicou. Define o cliente “fino” como os piores, enquanto “os clientes mais humildes, normalmente, chegam ao fim do mês, ou antes, e lá vêm com o dinheirinho para pagar as suas dívidas”. Este responsável referiu que a soma das dívidas “fiadas” chegou, no seu caso, a passar dos mil euros.

Poderá ter acesso à versão integral deste artigo na edição impressa n.º 3983, de 11 de abril de 2024, ou no formato digital, subscrevendo a assinatura em https://oregional.pt/assinaturas/
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