Trata-se de um “Par de chancas”, assim se chama a obra da autoria do escultor Paulo Neves, natural de Cucujães, que usou 25 toneladas de mármore para materializar os tempos em que ele e a sua geração usavam este calçado.
Paulo Neves era um garoto a iniciar a escolaridade quando “largava as chancas que trazia nos pés, escondia-as nas valetas da estrada, de forma a que ninguém as roubasse, para ir jogar à bola, descalço, com os colegas de turma”. Na altura, frequentava a escola primária de Cucujães, em Oliveira de Azeméis, e era dos poucos alunos que tinham calçado. “Quase todos os miúdos iam para a escola descalços”, diz o escultor de 65 anos, natural daquela freguesia oliveirense.
O artista recorda que os pais compravam as chancas a “um sapateiro do lugar da Mourisca, em S. João da Madeira, o Sr. Manuel”. Essa espécie de botins, “com sola de madeira e revestimento de couro tinham, muitas vezes, apliques de ferro à frente e atrás, para não romper a madeira”, lembra Paulo Neves. Hoje, o escultor já não conhece ninguém no distrito de Aveiro que faça chancas. Este calçado “entrou em desuso, já faz parte dos museus ou dos trajes dos ranchos folclóricos”, acrescenta.
O sapateiro Márcio Fernandes, herdeiro do negócio de família da Sapataria Porfírio, um estabelecimento de venda e reparação de calçado, em Oliveira de Azeméis, confirma: “as chancas estão em extinção, já quase ninguém as faz, nem ninguém as usa”. Acrescenta este filho e neto de profissionais do calçado que só conhece uma pessoa que ainda faz chancas, “um senhor da Benedita, que costuma vender na Feira de Março, em Aveiro”. A raridade deste calçado é tal que, ao longo de todo um ano de trabalho, este sapateiro só recebe na sua loja “um ou dois pares de chancas para reparar, pertencentes a grupos folclóricos”. Normalmente, pedem-lhe para “colocar uma meia sola de proteção na chanca” ou para “reconstruir a capa atrás da chanca”.
Para preservar uma tradição fora de tempo, para honrar a memória de gentes que trabalharam no setor e homenagear a história da indústria do calçado e o próprio setor, o escultor Paulo Neves esculpiu uma obra de arte que vai ser instalada, previsivelmente no final do mês de março, à entrada de S. João da Madeira, na rotunda entre esta cidade e São Roque (Oliveira de Azeméis). A peça chama-se “Par de chancas”. Consiste, justamente, em duas chancas, mas em tamanho gigante. Cada uma tem quatro metros de comprimento, por dois metros e vinte de altura, por um metro de largura. Foram feitas com 25 toneladas de mármore do Alentejo. “O desafio foi lançado pela Câmara de Oliveira de Azeméis, para fazer uma justa homenagem à indústria do calçado”, explica o artista que passou os últimos oito meses a desenvolver estas peças.
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