Os centros comerciais S. João, Corgalta, Santo António e Parque América têm algo em comum: apesar da sua antiguidade, continuam de portas abertas. Com passos decididos, os clientes já sabem exatamente o que procuram quando visitam um destes centros comerciais. Podem não ser lugares de passagem, mas são a casa de comerciantes de longa data e também significam uma nova oportunidade para quem quer abrir o seu negócio pela primeira vez.
Artur Nunes, da Casa FiFi, esteve oito anos no centro comercial Santo António e está no Parque América desde 1990. No fim de julho, completa 35 anos de permanência naquele estabelecimento comercial. Foi um dos primeiros comerciantes a abrir a sua loja no Parque América e diz recordar-se “perfeitamente” dos primórdios daquele centro comercial. “Tenho memória, de quando abriu o Parque América – já existia o Santo António, que era um centro comercial com algum movimento –, de que foi uma explosão de comércio”, contou Artur Nunes, em entrevista ao jornal ‘O Regional’. “Quando o centro comercial abriu, isto devia ter seguramente meia dúzia de lojas. Depois, começou a florescer de tal ordem que abriram muitas outras”, declarou. Naquela altura, as pessoas passavam o dia no Parque América, até porque, segundo Artur Nunes, o ponto de encontro era naquela zona central de S. João da Madeira, uma vez que as lojas atraíam pessoas de todas as faixas etárias. “Posso dizer que isto era uma loucura de pessoas. O centro em si era muito frequentado pela juventude”, garantiu o comerciante.
“Mesmo na altura de feriados e domingos, isto estava sempre aberto. Era gente como sardinhas”, recordou Laura Pina, do Centro Dietético L’íris do centro comercial Parque América
Com a abertura do centro comercial 8ª Avenida em 2007, o fluxo de clientes começou a diminuir “consideravelmente”. “As lojas começaram a fechar [no Parque América]. É normal; abre uma coisa nova e as pessoas têm curiosidade. Sentiu-se muito [o impacto]”, considerou Artur Nunes. “Durante muitos anos, isto esteve em declínio”, lamentou. No entanto, o cenário é outro atualmente. Há mais lojas abertas no Parque América e o responsável da Casa FiFi referiu que os comerciantes mais antigos “já não se sentem isolados”. “O facto de estar bem preenchido em termos de lojas não significa que haja mais movimento, mas, pelo menos, há mais diversidade. As pessoas já podem passar e ver”, descreveu, apesar de considerar que, neste momento, há duas lojas que fazem “muita falta” ao Parque América e que outrora existiram – um pronto-a-vestir e uma sapataria.
As lojas que estão imediatamente visíveis para o cliente estão todas ocupadas, sendo que as vagas disponíveis se situam em locais distantes das entradas do centro comercial. “As rendas não são nada exorbitantes. São até acessíveis; 150 a 200 euros”, adiantou Artur Nunes. A renda acessível foi um dos motivos que levaram Elizabeth Almeida, da loja Sonho Meu, a estabelecer-se no Parque América. Mora em S. João da Madeira e, em maio, faz um ano de casa. Antes de escolher aquele centro comercial para albergar o seu negócio focado em terapias, Elizabeth Almeida já conhecia o Parque América “de nome”. “Achei interessante e decidi arriscar”, afirmou. “O movimento tem sido bastante fluído e há uma grande passagem de pessoas; pelo menos, do que vejo do meu piso”, contou. Descreve o ambiente como “tranquilo” e que as lojas, estando abertas, “chamam mais” a atenção de quem por lá passa. “As pessoas passam a palavra. Temos cabeleireiras, estética, joalharias, terapias, comes e bebes, computadores… Acho que está bom”, opinou.
Laura Pina, do Centro Dietético L’íris, corrobora a perspetiva de Elizabeth Almeida em relação à diversidade de negócios abertos. Há 34 anos no Parque América, Laura Pina observa que a diferença é que as pessoas, apesar de continuarem a visitar o centro comercial, não circulam como antigamente, optando por ir diretamente à loja que pretendem. Tal como Artur Nunes, recorda-se bem dos primórdios do Parque América. “Era uma loucura. Trabalhávamos bastantes horas; eu era uma das que saía muito tarde”, exemplificou Laura Pina. “Mesmo na altura de feriados e domingos, isto estava sempre aberto. Era gente como sardinhas”, garantiu. Atualmente, considera que o centro comercial está “muito bom”. “Vivo em frente ao centro comercial Rainha [Oliveira de Azeméis] e o Rainha ao lado do Parque América não tem nada a ver. Lá, as lojas fecharam e nunca mais abriram; aqui, pode fechar uma loja e, praticamente noutro dia, abre outro negócio”, observou.
Proprietária da sua loja, dado que a comprou há muitos anos, Laura Pina refletiu sobre a definição da identidade do Parque América do passado e do presente. “As pessoas gostam de vir às lojas, como a minha, que estão abertas há mais de 30 anos”, comentou, considerando que a forma como os comerciantes trabalham e apostam no seu próprio negócio é a chave para o sucesso contínuo. O seu próprio estabelecimento de tratamentos de saúde também expandiu. “Tenho a minha filha que trabalha na parte estética e outra menina que faz pedicure medical e outro tipo de serviços. Hoje vivo feliz, porque dei muito de mim e consegui realizar o meu sonho: ter a minha filha aqui, a trabalhar comigo”, admitiu Laura Pina. “Gastei aqui muito dinheiro, mas também soube investir”, realçou. Para a empresária, o problema do Parque América é a falta de estacionamento. “Em vez das obras que fizeram aqui em frente, deviam de ter feito um parque de estacionamento. Era mais benéfico para as pessoas”, declarou. “Por vezes, tenho que descer e entregar a mercadoria às pessoas para não pararem. Assim, não precisam de andar aí às voltas [à procura de estacionamento]”, exemplificou.
“Apenas uma loja ou outra está aberta ao público”
No centro comercial Corgalta, o estacionamento não parece ser um problema. Aparentemente, trata-se de um problema antagónico em relação ao próprio conceito do estabelecimento. “Corgalta é um centro comercial que, realmente, nunca foi centro. É de dimensão reduzida e, por isso, não houve muita aposta das pessoas em certos serviços; apenas uma loja ou outra está aberta ao público”, declarou Manuel Resende, da ElectroVolte. Há 35 anos, teve outra loja em S. João da Madeira, mas desde 2017 que se estabeleceu no centro comercial Corgalta. “Vim para cá por força das circunstâncias. Não porque precise muito disto, mas é para não estar sem fazer nada”, explicou o sanjoanense.
Com 69 anos, Manuel Resende comentou que “pouca gente sabe” da existência do Corgalta. “Secalhar, [isso acontece por] falta de divulgação”, refletiu. “O 8.ª Avenida canaliza as pessoas para lá; há uns anos, senti [o impacto]. Foi um bocado doloroso para o comércio de S. João da Madeira”, lamentou. O sanjoanense comentou que, como tem “muitos anos” de negócio, os clientes conhecem-no e visitam-no. “Caso contrário, nunca apostaria numa loja aberta ao público no Corgalta, mas sim numa loja de rua”, garantiu. “Aqui, temos mais a vertente de serviços, mas movimento… não existe”, afirmou.
“Acho que a maior parte dos negócios do Corgalta é na base do online; não daria para ser de outra forma. Não passa aqui ninguém”, explicou Isa Letra, da loja Isa’licious do centro comercial Corgalta
Manuel Resende recordou que S. João da Madeira, na década de 80/90, foi importante para a região, mas que, agora, a cidade está “um bocado parada”. “As fábricas de calçado praticamente não existem, assim como armazéns, que traziam muita gente de fora e movimentava a cidade”, justificou. “Temos que ver o contexto geral e ser realistas. Isto mudou e penso que agora não há nada a fazer”, concluiu.
Tal como enfatizado pelo responsável da ElectroVolte, a maioria das lojas não estão abertas ao público. Albergam serviços específicos ou funcionam mediante marcação dos clientes. A loja Isa’licious, de Isa Letra, é uma das poucas abertas ao público. O movimento inexistente não incomoda a responsável por um simples motivo. “Eu não tenho problemas porque trabalho com a vertente online. Apesar de não fazer diferença para o meu negócio, é claro que, quanto mais gente tiver, melhor”, explicou, admitindo que, por vezes, fecha a porta da loja à chave devido à ausência de movimento. “Sentimo-nos inseguras, não é?”, justificou.
São as redes sociais que captam os clientes de Isa Letra, cuja loja está aberta no Corgalta há três anos, disponibilizando bolos e doces por encomenda. Estabelecer-se naquele centro comercial deveu-se ao facto de a renda ser “mais barata”. “Acho que a maior parte dos negócios do Corgalta é na base do online; não daria para ser de outra forma. Não passa aqui ninguém”, realçou a comerciante. No entanto, recorda-se que, há três anos, o Corgalta tinha mais lojas desocupadas e, atualmente, as vagas estão praticamente preenchidas. “Os clientes dirigem-se diretamente à loja que pretendem. Se quiserem passear, vão para o 8.ª Avenida”, observou Isa Letra, entre risos. Apesar da localização de referência junto às piscinas e ao Mercado Municipal, a comerciante partilhou um facto inusitado. “Clientes meus, de S. João da Madeira, já comentaram comigo que não sabiam que este centro comercial existia”, contou, acrescentando que o Corgalta precisava de uma maior divulgação, principalmente nas redes sociais, e talvez de “uma loja âncora” que atraísse a atenção das pessoas, como um supermercado.
Francis Gonzalez, da loja Purpurina Festas, partilha a visão da vizinha Isa’licious. “Realmente, o Corgalta não é movimentado. Já sabia dessa situação antes de alugar o espaço, mas, como tinha o meu negócio em casa, queria dar o próximo passo para uma loja física; apesar de as vendas serem, principalmente, feitas online”, explicou. Além da renda acessível, o contacto com o público foi um dos motivos para a lojista se estabelecer naquele centro comercial; não devido ao movimento do Corgalta, mas sim para poder ajudar os seus clientes presencialmente, simplificando processos como trocas de produtos. “Para alguém que quer abrir a sua loja, mas que não tenha o negócio numa fase mais estável, não sei se [o Corgalta] funciona”, considerou Francis Gonzalez. “O movimento faz falta. Como não há algo que ‘chame’ o público a entrar, isso não acontece”, comentou. Há quatro anos a viver em S. João da Madeira e desde setembro passado com a loja aberta ao público, a comerciante referiu que, apesar do movimento notório no maior centro comercial da cidade – 8.ª Avenida – “nem toda a gente está a fazer compras”.
“Há dias em que nem um euro vendo”
No centro comercial S. João, o movimento é semelhante ao dos centros Corgalta e Santo António. Maria Rosa, há 26 anos na loja Pretexto, recorda-se que, há duas décadas, aquela superfície comercial “tinha algum movimento”. “Na altura em que vim para cá, as lojas que hoje pertencem ao Estado [Centro de Emprego], não o eram. Ao fundo, havia umas lojinhas que não tinham nada a não ser coisas guardadas. Parece que é apanágio das lojas vazias; é para guardar coisas”, relatou a lojista, contando que, meia dúzia de anos depois, houve um acordo para comprar o resto das lojas, dado que os comerciantes saíram. Foi nesse momento que o IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional ocupou essa área do centro comercial.
“Estou aqui há 26 anos numa calma que às vezes me exaspera”, lamentou Maria Rosa, da loja Pretexto do centro comercial S. João
“Houve uma verba considerável que seria revertida para modernizar o espaço, mas isso não se verificou. É sempre o mal comum”, lamentou Maria Rosa. “O espaço precisava e precisa de obras. Este prédio tem uma construção péssima; eu própria percebo isso porque chove-me em cima”, acrescentou, apontando para o teto do seu espaço, onde são visíveis os sinais de humidade. Com nostalgia, recorda um restaurante em específico que, ainda nos dias de hoje, está sinalizado na entrada do centro comercial S. João, apesar de já não funcionar sob o nome descrito. “Entretanto, o ‘Manel’ foi uma referência para o espaço; falamos de comida caseira. Acordava cedo e era o último a sair; adveio daí um cansaço natural que despoletou um esgotamento”, continuou Maria Rosa.
Apesar de algumas lojas estarem abertas no centro comercial S. João, o movimento verifica-se nas alturas em que há formações no Centro de Emprego. À exceção desses momentos e à semelhança do que acontece nas outras superfícies comerciais antigas da cidade, as pessoas não se dirigem ao S. João para passear, mas sim para irem a um estabelecimento específico. “Estou aqui há 26 anos numa calma que às vezes me exaspera. Passo a vida na leitura e começo a abstrair-me do que me rodeia, porque é triste”, admitiu Maria Rosa. No início do seu negócio, a comerciante iniciou a sua atividade com jornais, revistas e material escolar e, apesar de ter uma carteira de clientes minoritária, o seu público-alvo tinha posses financeiras. “Eram os novos ricos das pequenas e médias empresas que se criaram aqui”, resumiu.
Ao longo dos anos, Maria Rosa foi introduzindo, paralelamente ao que já tinha, alguns cristais no seu negócio. “Achei que isso era o que, interiormente, me dizia mais. Acho que conseguia transmitir a ideia de que isto ou aquilo acalmaria algum chacra mais entupido”, explicou. “Agora, os que cá vêm são poucos e cada vez menos. Não têm dinheiro”, observou. Proativa e sem que a idade seja um impedimento para o trabalho, a septuagenária introduziu a vertente da leitura no seu espaço, até para incentivar os mais jovens a ler. Mesmo com os melhores esforços, como lida Maria Rosa com a ausência social do centro? “Leio. Isso resume tudo”, afirmou. “Há dias em que nem um euro vendo; isso dá-me pena e tristeza. Depois, vem alguém que compensa e o meu ânimo sobe”, limitou-se a dizer, com um sorriso.