Sociedade

Coveiros falam da morte

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O dia a dia dos coveiros é retratada nesta reportagem onde fomos recolher alguns testemunhos de quem lida com os mortos

Carlos Alberto Monteiro, 55 anos, é coveiro desde 2005 nos cemitérios de S. João da Madeira. Conheceu a profissão quando era ainda jovem. O seu padrinho era coveiro e de vez em quando ajudava-o no cemitério de Sernancelhe, no Distrito de Viseu. “Para mim é uma profissão como uma outra qualquer. Não foi fácil no início. Um médico também tem que ter sangue frio para tudo fazer para não deixar morrer as pessoas”, enfatiza.
Final da manhã. Carlos atira mais quatro pazadas de terra para fora da campa onde se encontra e aproveitou para falar com ‘O Regional’, alegando não ter muito tempo, pois tinha um corpo para enterrar nesse dia. As perguntas eram por vezes acompanhadas de silêncio. As respostas também, pois começava a tocar com a pá na tampa do caixão que tinha debaixo dos pés. Aproveitou e fez uma pausa. Saiu do buraco. Respira e endireita o chapéu. “Não vale a pena andarmos aqui às guerras. Acabamos todos assim”.
Assume que não tem medo da morte. “Isso é o que temos mais certo” e lamenta que muitas sepulturas conheçam apenas uma flor em dias especiais. Histórias “arrepiantes” não tem, mas conhece algumas que lhe vão contando, mas “já nada” o abala. Diz, em jeito de graça, que muitas pessoas ainda hoje quando falam com o coveiro fazem-no com “algum receio”. Na verdade, “não querem mesmo nada comigo”, diz soltando uma gargalhada.
A terra no Cemitério N.º 3 é muito húmida e “isso conserva os corpos”. Muitas vezes, quando se preparam para recolher as ossadas para a cremação a pedido da família, “encontramos ao fim de alguns anos muitos corpos completamente intactos”.
A cremação de ossadas e dos próprios corpos tem vindo a aumentar neste cemitério. Carlos Monteiro também é o responsável pela cremação. “É um trabalho diferente, é necessário controlar o gás”, mas também requer “atenção, dedicação e o mesmo respeito”, assegura.

Ar­tigo dis­po­nível, em versão in­te­gral, na edição nº 3864 de O Re­gi­onal,
pu­bli­cada em 4 de novembro de 2021

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