Filipe Moreira, Candidato a vogal da Direção da Delegação Regional Norte da Ordem dos Psicólogos Portugueses, alerta, nesta entrevista, para a falta de psicólogos nas escolas e afirma que cada aluno autista apresenta um vasto conjunto de habilidades
Jornal 'O Regional'- O número de casos de crianças com perturbações do espectro do autismo tem vindo a aumentar em Portugal. Como é que se pode explicar este aumento? É o facto de haver mais consciência hoje e mais procura de ajuda? Ou há outra explicação?
Filipe Moreira - É incontestável o aumento do número de diagnósticos de autismo não só em Portugal, como no mundo. Na verdade, e para uma resposta mais completa e fundamentada, podemos assumir que podem existir muitas variáveis para esse aumento. Desde logo, uma maior consciencialização. Nos últimos anos, houve um aumento significativo da literacia em saúde mental e, mais especificamente, sobre o autismo, tanto entre os profissionais de saúde quanto entre o público em geral. Isso levou a uma maior identificação e diagnóstico de casos que anteriormente poderiam ter passado despercebidos. Depois, é importante realçar as alterações nos critérios diagnósticos. As definições e critérios para o diagnóstico do autismo têm evoluído bastante. A inclusão de uma gama mais ampla de sintomas e comportamentos que podem ser associados ao autismo pode resultar num número maior de diagnósticos confirmados. Dentro desta linha de pensamento, existiram também alguns diagnósticos mal feitos, antes de se perceber a amplitude e variabilidade de casos dentro do espectro do autismo (ex., diagnósticos de hiperatividade com comportamentos de oposição, sobredotação, ou até “psicose infantil”. Um outro ponto a salientar é a diminuição do estigma, embora ainda não como gostaria. À medida que a sociedade se torna mais aberta, recetiva e familiarizada com estes casos, as famílias podem-se sentir mais confortáveis na procura de ajuda e, nos adultos, procurarem proativamente essa mesma ajuda com menos receio das consequências. Uma outra explicação, para mim pelo meu trabalho no SNS, são as melhorias no acesso a serviços de saúde mental. Estas melhorias permitem às famílias e utentes procurarem uma avaliação e apoio mais transparente, o que pode contribuir para um aumento dos números registados. Em suma, estes fatores, entre outros, podem ajudar a explicar o aumento dos casos diagnosticados de autismo em Portugal. Contudo, quero destacar que esse aumento pode não indicar, efetivamente, um aumento real na prevalência da condição, mas pode refletir uma melhor deteção e compreensão do autismo.
Apesar disso, o número de profissionais (professores de educação especial ou psicólogos) para acompanhar estes alunos nas escolas é insuficiente. Um acompanhamento especial é fundamental para estes alunos?
Dois grandes “sim”. Lamentavelmente, o número de psicólogos nas escolas é insuficiente. E, muitas vezes, pode ser benéfico ter um psicólogo clínico externo a acompanhar estes casos, por razões de vinculação, de confidencialidade, entre outras. Sabe-se que, um acompanhamento especial é fundamental para alunos com autismo. Note-se que, cada criança no espectro autista é única, com suas próprias forças, fraquezas e necessidades. Não podemos cometer o erro de encaixar, e perdoem-me a expressão, estas crianças todas no mesmo quadro da perturbação. Todos somos únicos, e os autistas também. O suporte especializado pode fazer uma diferença significativa no desenvolvimento académico, social e emocional desses alunos. Cada aluno autista apresenta um conjunto distinto de habilidades e dificuldades. O acompanhamento especializado permite que professores, restante comunidade educativa e os profissionais de saúde desenvolvam intervenções e técnicas personalizadas que correspondam a essas mesmas especificidades. Num outro nível, muitas crianças autistas enfrentam sérios desafios nas suas habilidades sociais. Este acompanhamento especializado, que pode ser a terapia individual, terapia de grupo ou programas focados em habilidades sociais, podem ajudar esses alunos na aprendizagem de uma melhor comunicação e de uma interação mais adequada ao próprio. Em suma, o acompanhamento especializado é crucial para ajudar alunos autistas a desenvolverem-se de maneira holística e a atingirem seu potencial.
Com o suporte adequado, esses alunos podem adquirir as habilidades necessárias para ter sucesso na escola e na vida, a contribuir para uma sociedade mais inclusiva e diversificada e ainda, trabalhar com as famílias potenciando laços mais seguros.
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