A Páscoa é sinal de quê? É com nostalgia que alguns dos entrevistados com quem “O Regional” falou admitem sentir saudades das tradições pascais que, ao longo dos anos, têm vindo a “desaparecer drasticamente”.
Maria Fernanda é sanjoanense de gema e recorda bastante bem esta data religiosa passada em família. “Antigamente, notava-se que as pessoas festejavam a Páscoa. Com a saída do Compasso, sentiam-se na obrigação de pôr uma mesa bonita e de comprarem coisas boas”, contou, em entrevista ao jornal “O Regional”. “Agora, isso acabou. As pessoas já não recebem o Compasso, não compram um ramo de flores, não recebem a família como antes”, enumerou, lembrando como, no seu tempo, recebiam a visita pascal na casa de família e ainda iam, depois, a casa de outros familiares fazer o mesmo.
Realçando que a Páscoa “já não é a mesma coisa”, afirmou, com carinho, que se lembra bem do trabalho que a sua família tinha antes da chegada da Semana Santa. “Deitávamo-nos muito tarde porque encerávamos o chão, esfregávamos as escadas e puxávamos o lustro às coisas para estar tudo pronto para recebermos a família e o Compasso”, explicou. Aos 66 anos, Maria Fernanda já não segue esta tradição e considera que a geração mais jovem também não o faz. “Tenho uma neta com oito anos que não tem ideia de como fazíamos antigamente. Acaba por ser normal; pensando no assunto, apesar de nunca ter sido obrigada a participar nas atividades da Páscoa, era quase como uma obrigação contribuir para que tudo corresse bem”, acrescentou.
Sente falta de muitos pormenores. Do convívio, das idas à igreja, da alegria ao redor da mesa ou do simples facto de que, quando o Compasso visitava a sua casa em São João da Madeira, se colocava uma laranja e uma moeda de cinquenta escudos em cima da mesa para receber o padre e a sua comitiva.
Comerciante há 37 anos no Mercado Municipal, também sente saudades de quando o mercado ficava à pinha, com multidões apressadas a comprarem um pouco de tudo para prepararem as refeições pascais para a família. Mário Costa, comerciante também há mais de 30 anos, contou ao “O Regional” que o movimento atual em nada se compara com o de há décadas atrás. “As pessoas comem fora hoje em dia. Ainda me lembro que, na altura, fazíamos um frango caseiro estufado. Quem tivesse peru, fazia o peru”, exemplificou o sanjoanense.
Mário descreveu a sua casa de infância tal como se recorda: uma casa antiga de madeira, onde todo o soalho era encerado e tudo era limpo ao pormenor para a Semana Santa. “Levávamos aquilo na desportiva”, declarou, divertido. “Tenho muitas saudades daqueles tempos”, admitiu. É com tristeza que diz que já não mantêm essas tradições que lhe dizem tanto. Os tempos “mudaram”. “Hoje, a Páscoa não significa nada. Antes, significava muito”, concluiu.
João Almeida, comerciante há 38 anos, considera que uma boa mesa é uma das muitas características da Páscoa. Refere que o Mercado Municipal é frequentado por pessoas “mais idosas” e que as famílias jovens “fogem” para as grandes superfícies comerciais. “Vai-se vendendo, mas não tanto. As pessoas mudaram certos hábitos na alimentação, até porque as coisas estão muito caras”, realçou, em entrevista ao “O Regional”. “Os produtos do Mercado Municipal têm uma raiz tradicional e caseira, 100% original. Ou por falta de tempo ou por ‘modernices’, as pessoas optam pelas grandes superfícies para fazerem as suas compras para a Páscoa”, acrescentou.
O comerciante deu exemplos específicos quando, há 38 anos, começou a trabalhar no Mercado Municipal. “A Quaresma era um momento sagrado. Este ano, não se nota nada disso. Os clientes dizem-me que as tradições já não lhes dizem muito”, lamentou, dando o seu próprio exemplo: “Para mim, celebramos a morte de Jesus e não a sua ressureição. Eu respeito as pessoas que continuam a tentar cumprir as tradições, mas, mesmo assim, não é igual.” João Almeida recordou os momentos da sua infância em que, quando ouviam o sino da igreja a tocar, em casa era um “alvoroço” para colocar tudo pronto para a visita pascal. À semelhança do que referiu a sanjoanense Maria Fernanda, também colocavam na mesa uma laranja e uma moeda; desta vez, de dez escudos.
No tempo em que era “miúda”, como referiu nostalgicamente a comerciante Luzia Oliveira, as tradições eram semelhantes. Ofereciam doces ao padre, mas não faltavam a laranja e “vinte e cinco tostões”. “Agora, os tempos são modernos. A maioria das pessoas não abre a porta ao Compasso, principalmente em apartamentos”, afirmou ao jornal “O Regional”. “Os valores estão a perder-se. As igrejas já não enchem como antigamente; os meus pais obrigavam-me a ir à missa. Hoje, os pais não fazem isso aos filhos”, justificou Luzia Oliveira.
Pessoa de fé, lembra-se de pensar que a Páscoa “era uma festa”. “Era quando comíamos algo melhor e quando toda a família se juntava e convivia”, disse. Já Henriqueta Conceição adiantou que, na Páscoa de hoje, há muita “fartura”. “Antes, pouco havia, mas as pessoas eram mais gratas por tudo o que tinham na mesa. Com pouco, fazíamos muito!”, declarou a comerciante ao “O Regional” com um sorriso, sem esquecer a tradição da oferta de ramos dos afilhados aos padrinhos ou às madrinhas, que, por sua vez, restribuíam com um folar da Páscoa ou outros apontamentos típicos da época. “Ficávamos todos contentes”, reforçou.
Henriqueta Conceição admitiu que a festividade pascal não é a sua favorita, mas que há certos princípios que não se praticam mesmo entre aqueles que gostam da Páscoa. “Em conversa com amigos e conhecidos, cheguei à conclusão que a Páscoa já não é igual; é um dia como outro qualquer. E que, quando as pessoas mais velhas da família falecerem, aí é que as poucas tradições que se mantêm se vão perder”, referiu, comparando a situação com o que poderá acontecer ao mercado no futuro: “Quando as pessoas de idade deixarem de vir ao mercado, connosco vai acontecer a mesma coisa.” Comerciante há mais de 20 anos, a sua visão corrobora a opinião dos colegas. “Não há grande movimento no Mercado Municipal. Nem parece que é Páscoa”, lamentou Henriqueta Conceição.