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“A osteopatia tem de se tornar um dos primeiros passos na gestão da dor”

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Osteopata em S. João da Madeira, Daniel Valpaços trata, há mais de vinte anos, as dores de muitos pacientes. Acérrimo defensor dos seus benefícios, o terapeuta acredita que a osteopatia faz a diferença na vida das pessoas e que já conquistou o seu espaço. Tanto que, defende, deve ser um dos primeiros recursos no tratamento da dor e na recuperação do movimento. Em entrevista a ‘O Regional’, Valpaços admite não ser favorável à integração desta prática de medicina alternativa no SNS e desmistifica alguns conceitos.

 

Jornal O Regional - A osteopatia tem vindo a crescer, e são cada vez mais os sanjoanenses que encontram nesta especialidade uma solução para as dores. Apesar deste crescimento, entende que ainda há um caminho a percorrer?
Daniel Valpaços - Sem dúvida. A osteopatia conseguiu, através dos resultados clínicos, ganhar o seu espaço e conquistar terreno. Mas, como em todas as áreas da saúde, existe uma constante evolução e adaptação à evidência científica. Creio que o caminho passa pela educação do utente, pela publicação de artigos científicos e pela proximidade à população, seja em palestras ou na comunicação social. A osteopatia tem que se tornar um dos primeiros passos na gestão da dor e na recuperação do movimento. Mas deixe-me dizer que, em 2011, quando cheguei a Portugal, pouco se falava em osteopatia, não existia regulamentação da osteopatia. Hoje, temos uma licenciatura tanto no ensino público quanto no privado, da qual me orgulho de ter sido docente. É uma área em crescimento. Por isso, acredito que os próximos 10 anos serão de afirmação.

Especialistas referem que a dor não é mais do que um sinal que o corpo nos dá de que algo não está bem. Em que situações se deve ou pode procurar um osteopata?
A dor é, sem sombra de dúvida, um dos fenómenos mais complexos com os quais lidamos. No entanto, nem sempre a dor é o primeiro ou o único indicador de que devemos procurar um osteopata. Alterações subtis, como a diminuição da mobilidade, a sensação de rigidez ou até pequenos desconfortos recorrentes podem ser motivos de consulta. A osteopatia, baseada na evidência científica, centraliza a sua resposta clínica em patologias do foro músculo esquelético no aparelho locomotor, ou seja, de uma forma mais simples, nas dores de costas, nas dores articulares, nas tensões musculares, nas entorses, nas tendinites… Na clínica, também somos especializados em osteopatia pediátrica, onde acompanhamos recém-nascidos para quadros de cólicas, refluxo, torcicolo e plagiocefalia (achatamento da cabeça), e também em avaliação pós-parto. Outra faceta é o acompanhamento integrado de atletas profissionais, com o objetivo de otimizar o desempenho físico, tratar e prevenir lesões, e potencializar a recuperação.

Qual é a grande diferença entre a osteopatia e a fisioterapia?
É sempre desconfortável, especialmente para quem não é fisioterapeuta, ter de realizar este exercício. Creio que a principal diferença reside no facto de, em osteopatia, apenas usarmos as nossas mãos, sem recurso à utilização de equipamentos. A osteopatia, com base científica, é centrada no paciente, alicerçada na informação ao paciente, educação ao movimento, educação sobre dor, terapia manual e prescrição de exercício físico, um doente de cada vez, em consultas de pelo menos uma hora.

“A osteopatia não é a resposta para todas as doenças”

A fisioterapia está integrada no SNS, ao contrário da osteopatia, que é considerada uma medicina alternativa. Ainda há dúvidas quanto à sua eficácia?
O termo “medicina” ou “terapêutica complementar” parece-me mais adequado. Em primeiro lugar, confesso que não defendo a integração da osteopatia no SNS, mas talvez possamos discutir esse tema noutro artigo, por necessitar de muita argumentação. Para começar, é impossível construir uma carreira em osteopatia sem resultados. Se a osteopatia não fosse eficaz, os pacientes não voltariam, não recomendariam e a profissão não teria crescido como tem vindo a crescer. A melhor prova da sua eficácia são os seus pacientes. Por outro lado: quantas vezes citei a palavra “ciência” ao longo da entrevista? É importante cingir-se às patologias para as quais existe suporte e validação científica, pois a osteopatia não é a resposta para todas as doenças.

Quando diz que não defende a integração da osteopatia no SNS, sendo comparticipada, não seria uma forma de a tornar acessível a mais pessoas? 
Quanto à integração no Serviço Nacional de Saúde (SNS), não defendo essa inclusão no modelo atual. A osteopatia tem uma abordagem diferenciada que se baseia num tempo de consulta mais alargado, permitindo uma avaliação global do paciente e um acompanhamento próximo. No meu caso, cada consulta dura pelo menos uma hora, garantindo não apenas o tratamento, mas também a compreensão da causa do problema, a educação do paciente e a promoção da sua autonomia na recuperação. Além disso, estou sempre acessível para responder a dúvidas mesmo fora do horário da consulta.
Outro ponto fundamental é a autonomia do terapeuta. Em osteopatia, a escolha das técnicas e estratégias terapêuticas é adaptada individualmente, sem estar condicionada por protocolos padronizados que poderiam comprometer a personalização do tratamento.
Integrar a osteopatia no SNS, da forma como ele está estruturado, significaria abrir mão de muitos destes princípios, o que, a meu ver, iria contra a essência do que torna a osteopatia eficaz e diferenciada.

Isso quer dizer que praticar esta especialidade de forma independente é o melhor modelo, é isso?
Sim, neste momento, acredito que a prática independente continua a ser o modelo que melhor garante a qualidade e os resultados que defendo para os meus pacientes. Mas acredito que, no futuro, possa surgir a oportunidade de integrar a osteopatia no sistema de saúde de forma que respeite a sua abordagem única, permitindo um atendimento mais personalizado e eficaz, sem comprometer os princípios que fazem dela uma prática tão valiosa para os pacientes. No entanto, sei que ainda há muito a ser feito no SNS para que esse tipo de integração seja viável e benéfico para todos.

O preço das consultas ainda é um entrave para que seja acessível a todos?
Entendo que, como qualquer especialidade de acesso exclusivo no setor privado, a osteopatia pode não ser acessível a todos. Ao mesmo tempo que algumas especialidades, com longa espera no SNS, para as quais os utentes recorrem ao privado. No entanto, eu vejo o preço da consulta como um factor positivo e diferenciado. Numa sociedade focada no trabalho, onde o tempo é um bem precioso, entre os dias perdidos de trabalho, o custo indireto com medicamentos ou outros, a capacidade de resposta e os resultados eficazes, em osteopatia, mostram-se um investimento interessante.

Sente abertura por parte dos médicos, nomeadamente dos de família, para o encaminhamento dos doentes para esta especialidade?
Vou falar-lhe da minha realidade: existe uma grande abertura e encaminhamento tanto de médicos de família, de pediatras, de ortopedistas, de terapeutas da fala, de dentistas, inclusive até de fisioterapeutas. Mas isso é também o resultado de anos de trabalho sério, transparente e dedicado. É o fruto de um processo construído com muito respeito e profissionalismo, o que me garantiu a confiança de profissionais de saúde, que sabem o meu compromisso, a minha integridade e seriedade com os pacientes. Confesso-lhe que não vejo a saúde de outra forma, a não ser num verdadeiro acompanhamento multidisciplinar. De forma simples e direta, os pacientes chegam aqui por duas formas: recomendação médica ou de outro utente. Não existe melhor forma de trabalhar.

“A osteopatia não é dolorosa”

Numa cidade como S. João da Madeira, com uma população envelhecida, quais são os problemas que mais lhe aparecem no consultório?
De um modo geral, dor, rigidez e perda de mobilidade. Mas o que mais me preocupa não são as dores, são as crenças erradas. Muitos idosos acham que perder mobilidade é “normal”, que a dor “faz parte” do envelhecimento. Não faz. É possível envelhecer com qualidade e sem limitações severas, mas isso exige ação. Quem se mexe, vive melhor. Foi nesse contexto que, a convite do Rotary Club de São João da Madeira, lançamos o projeto “Terças com Saúde”, palestras gratuitas para desmistificar a saúde. E posso dar-lhe um exclusivo: essa iniciativa regressará brevemente.

É figura semanal na Praça da Alegria, na RTP, todas as sextas-feiras. Que impacto tem esta visibilidade no seu dia-a-dia?
Ainda me estou a habituar, depois destes dois anos e meio de Praça da Alegria, às pessoas reconhecerem-me na rua, falarem comigo sobre os temas, inclusive pedirem fotos. O retorno tem sido enorme: consigo levar, com a preciosa ajuda da Sónia e do Jorge, informação útil de forma simples, leve e acessível a milhares de pessoas que, de outra forma, nunca teriam acesso. Recebo mensagens de pessoas que revolucionaram a forma como cuidam do corpo, graças ao que viram no programa. Isso é impagável. A título mais pessoal, sinto-me, hoje, privilegiado por poder contar, entre meus pacientes, com grandes nomes da música portuguesa, atores, jornalistas e outras figuras públicas. É uma honra poder ajudar pessoas tão influentes e talentosas. Por fim, esta visibilidade também me abriu portas para palestras e intervenções em grandes empresas e fábricas, onde posso partilhar meu conhecimento sobre saúde musculoesquelética e dor, impactando positivamente ainda mais as pessoas no seu ambiente de trabalho. Acredito que a «Praça» é apenas o começo de algo incrível.

O que é que mais o apaixona nesta especialidade?
Transformar vidas. A osteopatia não é apenas sobre tratar dores. É sobre devolver movimento, qualidade de vida e a possibilidade de viver sem limitações. Não há nada mais gratificante do que ver alguém que chegou ao consultório sem esperança e sair dali com mais movimento, menos dor e uma nova visão sobre o próprio corpo. Isso não tem preço.

A possível circulação de informação menos fidedigna sobre estas práticas, sobretudo nas redes sociais, preocupa-o?
Sim, preocupa-me profundamente. As redes sociais estão repletas de “especialistas” que vendem soluções milagrosas e promessas vazias. Quando a informação errada circula, cria confusão e leva as pessoas a desperdiçar tempo, dinheiro e, muitas vezes, a piorar a sua condição. A minha missão é justamente combater isso, trazendo clareza e a verdadeira evidência sobre o que a osteopatia pode realmente fazer.

É por isso que usa muito as suas redes sociais para passar essa informação?
Confesso que não tenho utilizado as redes sociais tanto quanto gostaria, devido à falta de tempo. Mas, sim, diante da desinformação existente, a melhor maneira de combatê-la é oferecendo conteúdo de qualidade. Utilizo as redes para ensinar, esclarecer e desmistificar conceitos relacionados à saúde, proporcionando ferramentas que permitam às pessoas cuidarem melhor do seu corpo. Tenho planos para 2025, com projetos voltados à educação e ao esclarecimento, sempre com o objetivo de ajudar as pessoas a tomarem decisões informadas e a melhorarem sua qualidade de vida, com base em informações sólidas e fundamentadas.

Quais são os principais mitos que persistem em relação à osteopatia?
Vou falar-lhe dos três principais. O primeiro: “A osteopatia é apenas estalar ossos.” Existem técnicas manipulativas que promovem “estalidos” (que eu confesso usar cada vez menos), mas isso é apenas uma ferramenta de tratamento numa variedade de técnicas. O verdadeiro objetivo da osteopatia é restaurar o equilíbrio do corpo, tratando disfunções no sistema musculoesquelético, nervoso e até visceral. O foco está em melhorar a mobilidade e a funcionalidade do corpo de forma global. O segundo é: “A osteopatia só serve para tratar dores nas costas.” Na realidade, a osteopatia vai muito além das dores nas costas. Ela é eficaz no tratamento de uma ampla variedade de condições do foro musculoesquelético, incluindo tendinites, entorses, tensões musculares e problemas articulares, abordando o corpo de forma global e integrada. E, por fim, chega o terceiro que questiona se a . “osteopatia é dolorosa.” A osteopatia não é dolorosa. É baseada em técnicas suaves e não invasivas. O objetivo é aliviar a dor e melhorar a mobilidade de forma eficaz, adaptando-se ao paciente, ao quadro clínico e ao contexto.

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