Sociedade

A noite na cidade: vive-se um ambiente de insegurança?

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A noite em São João da Madeira foi sofrendo alterações ao longo dos anos. O jornal “O Regional” falou com alguns gerentes e proprietários de estabelecimentos noturnos do município.

Já desde setembro de 1996 que o gerente do ‘Bicalho Bar’, João Carlos, opera por terras de São João da Madeira, não fosse ele próprio sanjoanense de gema e autoproclamado “bairrista”. São quase 30 anos de história sob a mesma gerência, algo que não é assim tão comum nos dias que correm. “Com a mesma gerência, sou o único em São João da Madeira. Claro que há casas mais antigas, mas cujas gerências foram mudando ao longo dos anos”, contextualizou o gerente, João Carlos, em entrevista ao jornal “O Regional”. Ao longo das décadas, o sanjoanense analisou comparativamente a noite na cidade. “Há altos e baixos. Temos mais dinâmicas atualmente na perspetiva em que as pessoas saem mais de casa; antigamente, isso não se verificava tanto”, considerou, apontando fatores como a rotina, a forma de pensar e a vertente da socialização. “Agora, estes espaços são procurados para ver e ser visto e, claro, para passar momentos agradáveis com os amigos”, observou.
Atualmente, João Carlos considerou que atrair as pessoas para estes espaços noturnos é “um desafio diferente”. “As redes sociais mobilizam as pessoas de outra forma para saírem e socializarem e, ao longo destes anos, a concorrência também é maior. Antigamente, as casas eram pouquíssimas e as características eram diferentes”, descreveu. “As pessoas já não saem tanto para dançar; saem para socializar, beber um copo, falar…”, explicou.
O contexto físico dos bares foi mudando para se adaptar às necessidades da comunidade e o ‘Bicalho Bar’ não foi exceção à regra. “Acabamos por ter uma casa mais ‘acolhedora’. Veja-se o caso das padarias; antigamente, não se imaginavam sofás nestes espaços”, exemplificou João Carlos, enfatizando que o contexto vai mudando conforme a evolução da sociedade. “Temos que nos adaptar às circunstâncias. Não podemos parar nem nos acomodar”, opinou.
O espírito do bar reflete também a cultura sanjoanense, com imagens da indústria chapeleira e do calçado como pano de fundo. João Carlos descreveu a sua ‘casa’ como “um ponto de encontro”, ideal para socializar: “É um espaço recatado e tento acompanhar as modas no que diz respeito ao espaço. Um espaço agradável e cómodo para que as pessoas se sintam à vontade, com música ambiente.”
Em relação à noite propriamente dita, o gerente considerou que há duas formas de sair à rua. “Há quem saia à noite com uma perspetiva salutar e de pura socialização, e há quem saia à noite para, talvez por causa das adversidades da vida, tentar aborrecer quem está, pura e simplesmente, a socializar”, afirmou. Estas “atitudes aborrecidas”, como João Carlos as descreveu, sempre aconteceram, mas foi a forma de atuar que mudou. “Agora, atua-se muito em grupo e, com a utilização das redes sociais, nem sempre se procura saber a verdade de um determinado incidente; basta ter acontecido em certa casa”, lamentou.
A questão da segurança é fundamental e a palavra que João Carlos aliou à mesma é “proatividade”. “Nós, enquanto proprietários, e a Polícia de Segurança Pública (PSP), sabemos quem são os reincidentes. Agora, o não deixar acontecer passa pela proatividade. Cabe-nos denunciar as situações e ter uma atitude pedagógica”, apontou, mencionando o sentimento de impunidade existente. “A polícia pode até fazer o trabalho que lhe compete, mas chega ao tribunal e já sabemos como funciona… Querem ajudar-nos, mas os resultados não são os esperados para nenhuma das partes”, realçou, acrescentando que há períodos da noite que “são mais inseguros”.
O sentimento de insegurança pode ser uma realidade e o sanjoanense entende o quão difícil é controlar uma situação deste género. Tal como indicou João Carlos, quem tem a porta aberta está sujeito a tudo, independentemente da hora do dia. “Quando acontecem estes incidentes, tento ter uma atitude proativa para resolver as situações. É um desgaste pessoal; construir uma casa dura anos e, infelizmente, bastam uns minutos para a destruir”, declarou. Um dos exemplos que apontou foi o facto de se verem, cada vez mais, grupos de jovens a consumirem bebidas alcoólicas na via pública. “Não sei se é pela vertente financeira ou se este fenómeno está relacionado com o facto de as pessoas quererem fazer o que quiserem, uma vez que não é regulado. O pior é quando existem desacatos com os transeuntes ou, até, quando entram nas próprias casas”, contou, esperando que este fenómeno que tem lugar nas ruas mude, para o bem de todos. “É benéfico para mim, para os clientes e para a cidade; sou muito bairrista e gosto que as pessoas sejam bem recebidas”, concluiu.

“Houve uma fase longa em que, constantemente, surgiam confusões na rua”

Tal como João Carlos considerou que fatores como ambiente, segurança e cultura na cidade contribuem para um município mais atraente, também o gerente do ‘Pede Salsa’, Paulo Moreira, partilhou, em entrevista ao jornal, que “um reforço de segurança” seria algo a ter em conta. “Houve uma fase longa em que, constantemente, surgiam confusões na rua. Pouco, ou nada, foi feito para melhorar esta situação”, opinou. Na sua perspetiva, a redução do horário noturno de há três anos, das seis para as quatro da manhã, não serve exatamente para “mitigar confusões” na via pública. “Os incidentes reduziram, claro, porque também ficamos com menos clientes. No pós-pandemia, dois fatores prejudicaram-nos: o estacionamento e o horário em questão”, observou, dando como exemplo as noites em que tem música ao vivo. “Nessas noites, os clientes ficam mais tempo. Se não tiver [música ao vivo], consigo trabalhar até às duas e pouco com algum movimento, mas depois os clientes acabam por ir para outros espaços, onde podem ficar até mais tarde”, exemplificou.
Gerente do ‘Pede Salsa’ há 12 anos, Paulo Moreira refere que não é apenas a segurança e o horário que o incomodam, mas também a questão do estacionamento. “Não há movimento nesta rua ao longo do dia por causa do estacionamento, principalmente por causa do espaço em frente aos correios que sofreu obras; são lugares que fazem falta”, lamentou, exemplificando: “Na hora de almoço, a casa estava composta. As pessoas vinham para aquele café rápido e voltavam para o trabalho; isso já não acontece e é por isso que abro mais tarde, algo que não acontecia antes.”
Segundo Paulo Moreira, há certos passos que se poderiam dar para resolver esta situação, assim como à questão relacionada com a segurança. “É preciso patrulhamento de proximidade, mas pode existir dificuldades no efetivo da PSP para tal. Somos nós os lesados; temos rendas e funcionários para pagar, entre outras coisas”, enumerou. “Esta rua dos bares já foi emblemática; já se ‘perdeu’ pela falta de segurança, e não só”, realçou, enfatizando também o facto de se consumirem bebidas alcoólicas na via pública. “Este fenómeno existiu em Espanha e viram-se com dificuldades perante aquilo. Nós não podemos vender álcool a menores de 18 anos e percebemos que o consumo na rua existe em jovens destas faixas etárias”, contou. Estes grupos “criados” na rua, na perspetiva de Paulo Moreira, não contribuem para “um bom ambiente”, inerente também à segurança. Apesar de tudo, desde a mudança de gerações até ao tipo de cliente recebido, há algo que se mantém. “Tentamos ter o melhor serviço para o cliente ficar satisfeito, desde a opção variada de bebidas até à música, em registo pop e rock”, garantiu.

“A videovigilância seria uma medida a implementar”

Ao subir a rua em direção aos Paços da Cultura, há um bar pulsante com uma vibração rock e uma decoração que leva qualquer visitante através de uma viagem pelo tempo: ‘A Praça é Pública’. Sob a gerência de Silvério Sequeira há sete anos, o responsável enfatizou, em declarações ao jornal, que o fator segurança não é o único a ter em conta para o decréscimo da atividade noturna em São João da Madeira. “Além da criação de novos hábitos pós-Covid, podemos nomear a falta de mobilidade existente nesta zona [parques de estacionamento]. Neste momento, a falta de parque é o fator mais importante, até mais do que a questão da segurança”, considerou. “Os possíveis conflitos que possam existir, próximo ao fecho ou pós-fecho das casas, por vezes acontecem no sítio errado, à hora errada. Não tenho conhecimento de clientes que não venham cá por terem medo de se deslocar até ao carro ou por andar na rua sozinhos”, opinou.
Em todo o caso, Silvério Sequeira corroborou que o aumento de patrulhamento na rua seria bastante importante para a comunidade, mas não só. “A videovigilância, falada ainda por este executivo, seria uma medida a implementar no centro e nos arredores. Estas duas medidas combinadas iam fazer com que as pessoas ganhassem mais confiança”, sugeriu, acrescentando que teriam ainda mais clientes a aderir à programação noturna. “Para mim, estas ruas continuam a ser emblemáticas. Nas épocas festivas, São João da Madeira é extremamente forte, principalmente nesta rua; há um reforço de policiamento e é claro que as pessoas se sentem mais seguras”, observou, acrescentando que, em comparação com os anos anteriores, a presença policial é mais forte atualmente.
Na perspetiva do gerente d’A Praça é Pública’, cuja equipa é constituída por quatro pessoas (incluindo o próprio), a programação noturna vai continuando sem percalços de maior. “As pessoas voltam pelo nosso ambiente. Todos os clientes são especiais e amigos da casa; acolhemos toda a gente, independentemente se é um operário fabril ou um engenheiro”, exemplificou. “Primamos por isso; não discriminamos ninguém”, garantiu Silvério Sequeira. A procura da vida noturna em São João da Madeira, nas palavras do gerente, é “um projeto a médio-longo prazo”. “Nós, como proprietários e programadores do espaço, temos que trabalhar nesse sentido. Efetivamente, a falta de parque automóvel, gratuito e próximo é um ponto importante para que as pessoas de fora nos procurem”, reforçou.

“Ouço falar de desacatos”

Será que a noite na cidade acontece, apenas, nas ruas adjacentes à praça? E será que a questão da segurança é sentida da mesma maneira em todas as ruas de São João da Madeira? Ao caminhar em direção ao tribunal, há “um cantinho bastante pacato” que alberga o ‘Beer Place’, que há oito anos está sob a gerência de Fábio Dias e Leonia Moreira. “Ouço algumas histórias da praça, mas, na minha perspetiva da noite, por aqui é tudo tranquilo. O facto de estar mais afastado também contribui”, afirmou Fábio Dias, em declarações ao “O Regional”. “Em termos gerais, a noite já foi mais segura. Ouço falar de desacatos; se fosse apenas um, era uma coisa, mas são vários. Já falamos de rixas, e não de confusões aleatórias”, contou, incidentes esses que “têm vindo a ocorrer há cerca de dois anos”.
Fábio Dias não sabe o que poderá estar na origem destes desacatos na via pública, até porque, tal como realçou em entrevista, apenas ouve os relatos que lhe chegam aos ouvidos. “Não vi e é difícil perceber por que é que acontecem. No que diz respeito ao ‘Beer Place’, não temos nenhum problema e o feedback dos meus clientes é positivo”, considerou. Apesar de o gerente não ser natural de São João da Madeira, foi a cidade que escolheu para trabalhar há mais de 10 anos. “Gosto bastante deste concelho; é claro que, há alguns anos, a noite era diferente. As casas estavam cheias, havia muita animação e toda a gente se dava bem. Havia alegria na cidade”, descreveu, nostálgico.
Apesar de não lidar diretamente com os desacatos na via pública, há menos pessoas e mais confusões. Pelo menos, é assim que o gerente do ‘Beer Place’ vê a atual situação. “As pessoas continuam a sair à noite, mas vão para outros destinos. Fatores como a falta de oferta, ambiente e segurança contribuem para isto”, enumerou, enfatizando que: “As pessoas vão para espaços alegres. É isso que procuram.”
Numa perspetiva de acompanhar as tendências e satisfazer as necessidades dos clientes, o ‘Beer Place’ acaba por ser mais do que um bar, fundindo-se com o conceito de hamburgueria e cervejaria. Alia também a vertente cultural, até porque aos domingos à noite, por volta das 22h00, o ‘Quiz Show’ desafia o intelecto de quem visita esta casa. “Um sítio agradável para comer e beber, partilhar umas cervejas e uma boa conversa. Um espaço de socialização com várias dinâmicas”, caracterizou Fábio Dias. “Ao longo dos anos, fomo-nos adaptando às circunstâncias. Temos uma aceitação muito boa da comunidade e temos uma afluência de clientes constante, o que significa que o feedback é positivo”, concluiu, satisfeito.

 

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