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Arrifana foi palco de massacre histórico

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Produzida e executada pela mão experiente da companhia de teatro Décadas de Sonho, especializada em espetáculos inspirados em episódios históricos e identitários do país, a freguesia de Arrifana foi invadida novamente por milícias e franceses.

Isto é como quem diz, por um espetáculo de grandes dimensões, que evocou os 215 anos das Invasões Francesas ocorridas a 17 de abril de 1809. A companhia de teatro Décadas de Sonho, com quase 20 anos de existência, trabalha com mais de 20 municípios por Portugal fora e também foi a escolhida para organizar este trágico evento, em conjunto com as associações locais. Desde o desastre da ponte das barcas no Porto até à retirada do exército Napoleónico de Arrifana, cerca de 160 artistas deram vida à vila durante vários dias.
A conceção artística e a animação do evento estiveram a cargo da Décadas de Sonho, cuja equipa está mais do que habituada a fazer espetáculos históricos de grandes dimensões. “O desafio em Arrifana foi que, sendo o espetáculo histórico feito com a nossa equipa profissional, também foi realizado em conjunto com a comunidade arrifanense, numa espécie de mistura de teatro profissional com teatro comunitário”, considerou o diretor artístico e encenador da Décadas de Sonho, Paulo Santos, em entrevista ao jornal “O Regional”, acrescentando: “Como fazemos eventos históricos todo o ano, esta é a nossa praia.”
Em relação aos espetáculos dos anos anteriores, o responsável da Décadas de Sonho enfatizou a comodidade da visualização do espetáculo, uma vez que o público não teve que se deslocar ao longo dos atos cénicos. O espetáculo histórico começou com a morte de um juiz magistrado de Arrifana, chamado Domingos Soares, nas ruas do Porto. “Ainda hoje, é um orgulho para as vilas ter alguém que chegue ao ‘patamar’ de juiz ou médico. Quando mataram Domingos Soares no Porto, o seu sobrinho em Arrifana juntou o povo, pediu reforços e fez uma milícia para combater os franceses em emboscadas. Não foi uma boa decisão”, lamentou Paulo Santos, relembrando as mais de 60 pessoas fuziladas. “No total, fala-se em mais de 300 mortos”, indicou.

O momento alto do evento foi o espetáculo histórico ‘O Massacre’, produzido pela Décadas de Sonho com as associações locais. A bancada para o público tinha capacidade para 300 pessoas

Um regresso ao passado

A companhia Décadas de Sonho começou a preparar todo o evento com antecedência, desde a produção até à contratação de todos os grupos que estiveram presentes no evento. Os equipamentos pirotécnicos pensados imitaram os disparos, com espingardas e canhões sonantes que deram mais credibilidade às encenações. O espetáculo do Massacre de Arrifana, apesar de ter sido o momento alto da programação, não foi filho único do evento.
Este grande momento histórico contou com uma oferta cultural diversificada, onde não faltou dança e música e apontamentos como os Jogos do Morgado, o carrossel da época movido a pedais, o Acampamento do Marechal Soult e o Acampamento Equestre Napoleónico. O evento também teve espaço para alguma comédia, como o espetáculo ‘Le Charneca’ de Pedro Charneca, “botão de ouro” do programa televisivo Got Talent.
Tudo pensado para que a interação com o público fosse a maior possível. “As Invasões Francesas deste ano foram fortíssimas, desde jogos para toda a família até exibições equestres da cavalaria francesa em que alguns milicianos portugueses se infiltraram; aquilo não acabou muito bem”, enumerou Paulo Santos, divertido. “Houve uma vertente de comédia, mas não podemos esquecer que aconteceu um massacre. Deveu-se à vingança de um homem, que quis vingar o tio que morreu no Porto, e devido ao facto de os franceses terem passado a ideia de que, quem se metesse com eles, iria sofrer o mesmo destino que a aldeia de Arrifana, na altura, sofreu”, descreveu.
Uma vez que foi a primeira vez que a Décadas de Sonho foi a responsável por todo o evento das Invasões Francesas, a preparação para o mesmo foi essencial. A experiência da companhia de teatro e do know how adquirido ao longo dos anos facilitaram a tarefa, não fosse esta companhia responsável por vários trabalhos apreciados pela população, como os espetáculos realizados na tão reconhecida Viagem Medieval.
Além disso, Paulo Santos elogiou o levantamento do conteúdo histórico existente e exaustivo. “Já havia, da parte da junta, um documentário fantástico feito pelo encenador Carlos Reis. Por isso, tivemos duas atividades principais – o massacre e as exibições de cavalaria francesa – e as restantes atividades relacionadas com a época, uma vez que fazia sentido aplicar essa abordagem mediante o levantamento histórico”, explicou, referindo-se aos grupos de música da época e aos acampamentos militares do Marechal Soult, em que os soldados, desconfiados, andaram em patrulha constante. “Quisemos que as pessoas se sentissem envolvidas pela magia e pela época daquela altura”, afirmou o diretor da Décadas de Sonho.
Além do espetáculo principal do massacre, as exibições de cavalaria francesa foram também uma das performances principais das Invasões Francesas, uma vez que os franceses eram “exímios a cavalgar”. “Segundo alguns relatos da época, quando os franceses vieram a Arrifana trouxeram três mil cavalos; ou seja, vieram para uma aldeia como se viessem conquistar Lisboa. Vieram para tornar a aldeia de Arrifana num «exemplo»”, clarificou Paulo Santos.

Praça General Humberto Delgado e Praça da Guerra Peninsular foram palco de encenações históricas da época napoleónica. O tenebroso massacre de 17 de abril de 1809 é uma data trágica que marcou não só a história de Arrifana, como a de Santa Maria da Feira e de Portugal

Mártires recordados em homenagem

Será que este espetáculo de grande formato sensibilizou, de alguma forma, os arrifanenses mais jovens a conetarem-se com a história dos seus antepassados? Para Paulo Santos, este pormenor também não ficou de fora. “Para que os jovens não se desliguem da sua história, a nossa programação também contou com visitas ao Agrupamento de Escolas de Arrifana”, exemplificou, referindo-se ao workshop do arqueólogo Ricardo Macedo sobre armaria técnicas e táticas, ao documentário de Carlos Reis sobre as Invasões Francesas e à palestra do ex-combatente da Guerra Colonial em Angola, Jorge Furriel Miliciano, sobre as Segundas Invasões Francesas.
O responsável da Décadas de Sonho enalteceu também a participação dos muitos jovens que contribuíram para o sucesso do evento e refletiu sobre a história do próprio evento. “Infelizmente, os erros do passado voltam a repetir-se. Vejamos o caso da guerra da Rússia e da Ucrânia; enquanto existir ganância, «massacres» como este vão acontecer sempre”, lastimou Paulo Santos.
O dia do encerramento do evento, 17 de abril passado, foi marcado pela homenagem aos mártires das Invasões Francesas. Feita a romagem ao Monumento da Guerra Peninsular, ficou a memória de quem perdeu a vida há 215 anos naquele mesmo fatídico dia.

“Estamos a falar de um evento singular e identitário” 
Em declarações ao jornal “O Regional”, o presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Amadeu Albergaria, referiu que o evento das Invasões Francesas tem um “impacto notório” por Terras de Santa Maria. “Estamos a falar de um evento singular e identitário, com um enorme potencial para crescer e afirmar-se em futuras edições, saltar fronteiras e posicionar-se gradualmente na rota do turismo militar à escala metropolitana e nacional”, considerou o autarca. O presidente do município feirense considerou que, ao evocar este “episódio trágico” da história, “profundamente marcante para as gentes de Arrifana e do território feirense”, pretendem “preservar memórias e transmiti-las com grande intensidade e realismo” aos residentes e visitantes. “Sobretudo aos mais novos, para que o tempo nunca apague o exemplo de bravura que tão bem caracteriza o nosso povo”, reforçou Amadeu Albergaria. O autarca adiantou que é um dever, tanto do município, como da junta de freguesia e da sociedade civil, continuar “a trabalhar com afinco e rede” para aprimorar as diferentes dimensões do projeto das Invasões Francesas. “E mantermos vivo este valioso legado, sem nunca descurarmos o envolvimento da comunidade, que é precioso”, concluiu Amadeu Albergaria.

 

 

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