Opinião

Um janeiro para não esquecer

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Este é o janeiro do luto. Onze mil mortos depois, enquanto escrevo este texto, ouço a ministra da Saúde reconhecer que ainda “temos camas disponíveis, o que muito dificilmente conseguimos ainda gerir são os recursos humanos”. Face a um SNS em exaustão e que pede ajuda, o governo mais depressa admite o envio de doentes para o estrangeiro do que avança para a requisição dos hospitais privados. Enquanto o SNS sufoca, é permitido aos privados que mantenham a sua atividade normal, definindo prioridades por critérios de negócio e não de catástrofe nacional. Com efeito, das 11.300 camas em unidades privadas, apenas 800 estão contratadas com o SNS e, dessas, apenas 80 para doentes Covid. Nas empresas privadas de Saúde, trabalham 20 mil profissionais. Porque adia o governo a requisição dos que faltam ao Estado para pôr a funcionar os hospitais de campanha? António Costa diz que só o fará “quando e se necessário”. Quantas mais mortes será preciso contar nas ambulâncias paradas à porta dos hospitais públicos?

O SNS exige um compromisso alargado
No orçamento para 2020, o governo acordou com o Bloco o reforço de pessoal do SNS para fazer face às necessidades normais. Mas o governo não cumpriu o que o parlamento aprovou e depois, na emergência da pandemia, foi à pressa fazer contratos temporários que só agora estão em regularização. Resultado: a resposta do SNS está a ser dada com o número de profissionais que seria suficiente… em tempos normais. E mesmo esses profissionais estão a diminuir: desde janeiro, os serviços perderam quase mil médicos e os concursos de admissão continuam meio desertos, por não oferecerem condições atrativas. Está provado que a recuperação do SNS não será possível com as regras atuais. É indispensável um entendimento de maioria para a defesa deste serviço público. Mas o PS tem faltado à chamada.
Outra evolução que tem dado razão ao Bloco ocorre nos apoios aos trabalhadores com perdas acentuadas de rendimento por efeito da crise. Ao restabelecer os apoios que tinha criado em 2020, mais robustos do que a nova prestação que anunciou com estrondo, o próprio governo reconhece a insuficiência da sua medida orçamental. Agora é preciso evitar os enormes atrasos que deixaram tanta gente pendurada na vaga anterior.
Nas áreas da Saúde, do emprego e do combate à pobreza, a insuficiência dos meios definidos no Orçamento para 2021 confirma-se a cada dia que passa. Cabe ao governo assumi-la também e não gerir a crise adiando problemas até se tornarem dramas na vida das pessoas.

E depois destas presidenciais?
Até domingo passado, muitos vaticinaram que o Bloco seria punido nas presidenciais pela sua oposição ao orçamento do Estado. Ao invés, João Ferreira seria premiado pelo apoio do PCP ao governo. Essa previsão falhou. Os maus resultados atingiram igualmente as candidaturas apoiadas pelo Bloco e pelo PCP e as sondagens para legislativas, realizadas à boca das urnas, indicam que o voto no Bloco duplicaria a percentagem obtida por Marisa Matias. O que explica então os maus resultados de domingo? Marcelo Rebelo de Sousa foi muito além do seu espaço político. O presidente em funções foi benigno nos anos da geringonça e eficaz no debate contra Ventura, conquistando eleitores de toda a esquerda, que valorizaram o primeiro mandato de Marcelo ou quiseram evitar uma segunda volta.
Entre aldrabices e insultos, o candidato da extrema-direita deu expressão a um campo reacionário e agressivo que vai saindo do PSD e do CDS. Com a afirmação do populismo xenófobo, a democracia e o debate político vão piorar. Mas isso não faz de Ventura o centro da luta política: a direita continua a ser minoria, no parlamento e no país. O grande confronto continua a ser entre, por um lado, o governo - submisso à lógica de contenção do investimento anti-crise, ao negócio privado da Saúde e aos patrões nas regras laborais - e, por outro lado, a esquerda que não desiste dessas batalhas. Só a persistência contra o regime da desigualdade pode travar o passo aos inimigos da democracia.

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