Os últimos meses foram marcados pela revelação da maioria absoluta do PS como um poder incapaz, que tropeça nos sistemas de privilégio que promove (TAP, promiscuidade entre governo e negócios) ao mesmo tempo que se desdobra em anúncios fraudulentos. Ainda nos lembramos do “maior aumento de sempre das pensões” que afinal é uma redução no valor real face à inflação. Já se percebeu que a suspensão do IVA sobre um conjunto de produtos alimentares resume-se, afinal, a mais uma borla fiscal aos supermercados. Na habitação, o PS enterra as suas promessas eleitorais e insiste em velhas receitas falhadas para intervir numa situação descontrolada. Nas escolas, o mesmo governo que deixou apodrecer a situação até deixar os alunos sem professores, é agora incapaz de assumir os custos de um acordo com a classe docente.
Enquanto exclui quaisquer medidas eficazes de regulação dos preços dos bens essenciais ou de controlo das rendas e juros bancários à habitação, o primeiro-ministro faz pouco dos sindicalistas do seu partido, recomendando-lhes que exijam aumentos salariais (os tais aumentos que o governo negou aos funcionários públicos, que continuam a perder poder de compra)!
Neste ambiente sulfuroso, há temas essenciais que perdem espaço no debate nacional. Um dos mais importantes é o do acesso a cuidados de saúde. Não podemos dar-nos ao luxo de adiá-lo.
Ninguém suporta mais as esperas e as falhas no SNS. A direita vê este problema na ótica da oportunidade para as empresas privadas, que quer colocar a substituir o SNS. O governo, sem dizer o mesmo, dá a mesma resposta. Mas essa é a resposta errada. O que falta hoje no SNS não existe no setor privado e só existirá se for o Estado a pagar (os serviços e os lucros dos acionistas).
O governo sabe o que é necessário fazer, mas – tal como noutras áreas – a sua proximidade aos interesses privados afasta-o de soluções à altura das dificuldades. Só a força de uma ampla mobilização cidadã pode responder à última chamada de um SNS em estado grave.
Em vez de um sistema privado só acessível a quem pode pagar um seguro de saúde e muitos furos abaixo da referência dos hospitais públicos, Portugal tem de investir na cura da doença do SNS. É necessário terminar com a falta de médico de família para mais de um milhão de cidadãos, obrigados a sobrecarregar as urgências dos hospitais. Os profissionais de saúde esgotam-se em horas extraordinárias e o bloqueio das carreiras empurra-os para o estrangeiro ou para as empresas privadas. A causa destes sintomas é a falta de investimento e o adiamento pelo governo da construção de hospitais e centros de saúde ou da contratação e valorização laboral de profissionais essenciais.
A doença do SNS está a atingir um ponto de não retorno. É agora que a cidadania deve entrar em campo. Salvar o SNS é tarefa que a luta dos seus profissionais, sozinha, não conseguirá cumprir. Nem seria justo pedir mais isso aos milhares de homens e mulheres que já dão tudo pela prestação de cuidados de saúde ao nosso povo. Eles e elas precisam de nós, utentes e cidadãos, também a exigir o resgate deste elemento essencial da nossa democracia, o SNS. Portugal pode investir na modernização dos serviços, pode atrair e reter os profissionais que o SNS forma mas que não consegue segurar por falta de condições, pode garantir saúde familiar, desenvolver a oferta de cuidados de saúde mental ou de saúde oral, áreas em que o SNS ainda está por instalar integralmente.
O governo sabe o que é necessário fazer, mas - tal como noutras áreas - a sua proximidade aos interesses privados afasta-o de soluções à altura das dificuldades. Só a força de uma ampla mobilização cidadã pode responder à última chamada de um SNS em estado grave.