Opinião

Torradas ao domingo

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No rescaldo das prendas de Natal ficou nas minhas mãos um livro.
Não um qualquer.
O último de José Luís Peixoto.
Muita curiosidade em o ler. Para conhecer a biografia de Rui Nabeiro e para apreciar mais uma obra de um dos mais reconhecidos escritores portugueses, deste século.
Cheguei tarde ao livro, tal como anteriormente, havia demorado a vencer a resistência em ler José Luís Peixoto. Colava-o a um escritor ideológico, pelas suas aparições em iniciativas políticas mais mediáticas e pouco interesse me despertava em ler os seus trabalhos. Algo mudou quando descobri a sua ousadia em assumir-se, numa terra pequena, como elemento de um partido extremista, marginalizado e sem representação parlamentar.
Deixei escapar uma série de livros editados, comentados e apreciados por muitos, até que um dia, fiquei deliciado a ler a viagem do escritor à Coreia do Norte. As revelações superaram a teoria e a sua franqueza, fez-me vencer a resistência.
A imagem transmitida no programa da RTP “Herdeiros de Saramago”, com as incursões à sua aldeia natal de Galveias, foram suficientes para passar a ter como objetivo adquirir um futuro livro de ficção do escritor, que também é poeta.
O anúncio da edição de “Almoço de Domingo”, versando a vida do empresário Rui Nabeiro, tinha um condimento especial: verificar como o escritor apreciaria a capacidade empreendedora do visado. Perceber a construção da narrativa e o risco de escrever uma obra que poderia não agradar ao citado, eram outras das considerações, reservas, ou expectativas no início da leitura.
Nos primeiros dias deste ano, os meus momentos de lazer foram ocupados na descoberta dos pormenores da vida do empresário alentejano. A ausência de cronograma na narrativa e a sequência decrescente para o dia de domingo, foram aumentando o interesse na leitura.
A responsabilidade social, não apenas em torno de Campo Maior, pois qualquer forasteiro pode regressar sorridente da vila alentejana, é um facto realçado por José Luís Peixoto. Contudo, a máxima do empresário, “toda a pessoa tem uma história”, tem que ser cumprida pelos viajantes, não bastando a simples aproximação e a recorrente interrogação “lembra-se de mim?”. Da população da vila vem o reconhecimento e o agradecimento pela longevidade de apoios às Festas do Povo (acabadas de ser classificadas de Património Cultural Imaterial da Humidade pela Unesco), a afirmação do clube de futebol, à criação de emprego, às melhorias proporcionadas à vila e o orgulho na fixação de investimento naquela zona raiana.
Tudo isto em região do país marcada pela coletivização, implementada nos anos seguintes à revolução de 1974. Alusão retratada no livro de José Luís Peixoto, num momento bem-humorado.
A leitura do último capítulo ficou para domingo passado, pela analogia do dia de semana.
Devo ter ficado desassossegado.
Despertei demasiado cedo, ainda antes da madrugada, quando habitualmente é o dia da semana que relaxo mais.
Uma insónia.
Ainda na cama, acendi o candeeiro da mesa de cabeceira e apreciei o relato do dia vivido pelo comendador Nabeiro, ao completar o seu nonagésimo aniversário. Um dia simples, vivido em família e com a sua comunidade.
Leitura efetuada. Levanto-me.
Por ser domingo, por não haver pão fresco distribuído à porta, faço torradas. Sirvo um café em chávena grande, “solo” à espanhola, abatanado ou americano. Sem compromissos para as horas seguintes e pelo prazer do simples pequeno-almoço, permito-me repetir a dose.
O dia vai ser longo.

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