O senhor Manuel tem 72 anos. Nasceu, morou e trabalhou toda a sua vida em São João da Madeira, onde foi sapateiro em várias fábricas da cidade.
Em 2023, foi diagnosticado com um cancro de pele extremamente agressivo. A partir daí, a sua vida virou-se totalmente de pernas para o ar. Faz, desde então, duas sessões de quimioterapia semanais no Hospital de São João da Madeira e duas consultas mensais no IPO do Porto.
Para cada mês de consultas que tem no IPO gasta cerca de 30 euros só no autocarro de ligação ao Porto e no metro. Às vezes está tão exausto que precisa que a sua mulher, de 71 anos, o acompanhe – portanto o preço duplica para este casal idoso, com dificuldades de mobilidade e em situação de pobreza.
O senhor Manuel e a mulher, tendo em vista que a doença veio para durar, decidiram fazer um passe Andante para lhes ficar mais em conta. Tendo o Sr. Manuel mais de 65 anos e cancro, tem um desconto de 50% e paga 20 euros. A mulher, com mais de 65 anos, tem um desconto de 25% e paga 30 euros. Portanto, apenas poupam 10 euros do que se não tivessem o Andante, pagando 50 euros por mês apenas em deslocações ao hospital.
Se o senhor Manuel fosse munícipe de Miranda do Douro, da Torre de Moncorvo, de Penafiel ou de Vinhais, tinha transporte municipal gratuito e muito mais cómodo – da porta de sua casa até à porta do hospital, sempre acompanhado por um profissional de saúde para qualquer eventualidade na viagem. Mesmo se fosse do Porto onde, se preferisse ir de táxi para lhe ser mais confortável, praticamente toda a viagem seria paga pelo município. Até mesmo se fosse sanjoanense, mas se tivesse tido cancro há uns anos atrás.
Em 2020, a Junta de Freguesia de SJM adquiriu uma carrinha de sete lugares com o único propósito de, e passo a citar, “transportar os doentes para o IPO num veículo mais pequeno e mais ambiental”. Era feita uma vez por semana e a procura era maior do que a oferta.
Atualmente, tal serviço encontra-se descontinuado e a carrinha ou estará parada ou servirá propósitos diferentes do propósito pensado inicialmente e para o qual recebeu 50% de comparticipação na sua compra através do Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente.
Quando contactei a Junta de Freguesia foi-me dito que esse programa não estava atualmente em vigor, não porque a procura tivesse diminuído porque, e tal foi-me assegurado, existe muita, mas porque não se conseguiu ter um profissional de saúde que acompanhasse os doentes e a Junta não queria correr o risco de não ter ajuda profissional caso esta fosse necessária durante o trajeto.
Face a tais afirmações, três questões vieram-me de imediato à cabeça.
Se o problema é realmente não ter ajuda profissional no transporte caso esta seja precisa, a solução será deixar os doentes oncológicos entregues à sua sorte nas deslocações entre diferentes transportes públicos, paragens e mais paragens, demoras, atrasos, deslocações grandes e difíceis, por exemplo, em pleno inverno ou em pleno calor aterrador do verão? Se é desconfortável para mim, estudante de 20 anos que não paga um cêntimo de Andante, só consigo imaginar o que será para o Sr. Manuel e qualquer um na sua posição. Além disso, no metro ou no autocarro definitivamente também não terá acesso à tal ajuda profissional caso necessite.
O que é que mudou de 2020 para cá, para antes ter sido possível e agora não? Se a resposta for que o orçamento encurtou, como é que este assunto não é prioritário se existe tanta necessidade, como é que não tem toda a atenção, como é que não são feitos todos os esforços necessários para retomar algo que já se mostrou, não assim há tanto tempo, ser possível. Talvez as prioridades não estejam bem definidas. Se um sanjoanense com cancro não é uma prioridade, não sei o que será.
Se realmente for impossível financeiramente obter um profissional de saúde que, uma vez por semana, faça estas deslocações (que penso não ser uma enorme ginástica financeira), a solução é não fazer absolutamente nada? A solução não passará, por exemplo, por fazer contratos com os Bombeiros Voluntários de SJM, com a Santa Casa da Misericórdia ou com qualquer outra entidade, que fiquem mais em conta e que ofereçam esse serviço? A solução não passará, por exemplo, por pagar os restantes 20 euros do Andante para, pelo menos, retirar o encargo financeiro? A solução não passará por abrir um programa de voluntariado, formar os voluntários no que fazer caso algo aconteça, com cursos de primeiros socorros e suporte básico de vida, e serem eles os acompanhantes? Certamente acabar com o projeto e não oferecer alternativa não é a solução.
O senhor Manuel é baseado num caso real.
Como ele, muitos sanjoanenses passam ou passarão por situações semelhantes.
Defendamos, com tudo o que temos, quem pela nossa terra fez e faz muito. Sejamos a voz incansável, insuportável, gritante e vibrante de todos e cada um dos sanjoanenses.