Depois dos incêndios de 2017 em Portugal foi muito repetido (e depressa esquecido) que os fenómenos climáticos extremos a que temos assistimos são fruto do aquecimento global e das alterações climáticas que dele resultam. A grande diferença entre aqueles fogos e as inundações na Alemanha e na Bélgica - além do número de vítimas, que infelizmente é agora bastante mais elevado - é que, na semana passada, foi atingida uma das zonas mais densamente povoadas e prósperas da Europa. Isto ao mesmo tempo que no Canadá uma vaga de calor sem precedentes provocava também numerosas vítimas.
Ninguém poderia esperar tão rápidos desenvolvimentos? Errado. Há mais de trinta anos que o Painel da Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) fez as primeiras previsões sobre o aquecimento global e elas estão a confirmar-se a cada ano que passa. Mas mesmo depois de Trump, os Estados continuam em negação e a recusar encarar a catástrofe permanente em que entramos.
Esse espírito de negação ajuda a explicar, aliás, o elevado número de mortos nas cheias da Alemanha. Três dias antes, os meteorologistas tinham avisado que era de esperar um acontecimento atmosférico extraordinário e enorme precipitação, mas não foram tomadas medidas preventivas que pusessem as pessoas a salvo. Tal como nos incêndios de 2017 em Portugal - com a monocultura desordenada de eucalipto, entre outros fatores, a agravar as consequências do contexto atmosférico extremo -, na Alemanha e na Bélgica pesaram também políticas erradas de ordenamento do território, com a impermeabilização dos solos, a passagem das águas pluviais no sistema de tratamento de águas ou a urbanização especulativa de zonas inundáveis. Nada que não se conheça também por cá.
Não basta prevenir riscos e “adaptar” o território
Mas não basta prevenir riscos e “adaptar” o território com critérios competentes e não subordinados à sua cega rentabilização. Pelo contrário, é indispensável uma rápida viragem na política para o abandono dos combustíveis fósseis. Não só pela sua substituição por energias renováveis, mas também através de um plano público de reconversão dos modos de transporte, produção e consumo. Para cumprir esses objetivos, não serve menos que uma economia de guerra às alterações climáticas. Uma economia que subordine o poder económico às políticas de Estado, que deve decidir investimentos e recuperar controlo de instrumentos essenciais para este fim, da banca à energia.
Porém, na União Europeia verifica-se o oposto: gestos simbólicos, metas insuficientes, incumprimento dessas metas. À boca pequena, é assumido que, a breve prazo, o limite de 1,5 ºC de aquecimento global estabelecido no Acordo de Paris sofrerá uma “ultrapassagem temporária” (supostamente compensada por um posterior arrefecimento). Ora, perante os atuais efeitos catastróficos de um aquecimento de 1,1 ºC, torna-se evidente que esse percurso nos levará da catástrofe ao cataclismo climático.
A mobilização por justiça climática é hoje a luta pelos direitos humanos. A acumulação de riqueza pelos beneficiários do modelo fóssil leva-nos a grandes sofrimentos e a crises humanitárias maiores, cortejos de fome, guerras por água e por solo, vagas de refugiados climáticos que arriscam a vida para escapar à pobreza extrema. O lucro de algumas multinacionais não pode impor-se como critério superior ao direito à vida, que é o que está em causa na luta por justiça climática. Foi essa a mensagem de Greta Thumberg e dos milhões de jovens que saíram às ruas por todo o mundo antes de serem travados pela pandemia. Jovens e mais velhos, teremos de voltar às ruas em breve.