Opinião

Porque arde o país?

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Em pleno mês de setembro o céu encheu-se de fumo. São João da Madeira viveu dias sob nuvens negras e cinzas que esvoaçavam. Os incêndios grassavam, desde Oliveira de Azeméis a Albergaria, e depois Sever do Vouga, Aveiro, Águeda, Arouca... Por todo o lado as chamas consumiam milhares de hectares e em muitos sítios entraram pelas casas dentro. Arderam habitações dentro de malha urbana, perderam-se vidas. Outra vez.
Porque voltámos a viver este inferno? Porque arde o país, ano após ano?
Em 2015, o fogo consumiu mais de 1500 hectares em Pessegueiro do Vouga (concelho de Sever do Vouga), que agora voltou a arder. Em 2016, foram mais de 24 mil os hectares consumidos em Arouca e mais de 7000 em Águeda, concelhos onde o fogo regressou com toda a força. Em 2019, Albergaria-a-Velha foi o quarto concelho do país com mais área ardida. Passados apenas cinco anos voltou a viver um inferno.
Os dados são do ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta. O que neles mais espanta é a recorrência dos incêndios sempre nos mesmos locais? Porquê? Estamos nós, nesta zona tão específica do distrito de Aveiro, condenados a lutar com o fogo? É destino, predestinação, fado, determinismo, sina, má sorte?
Não. É má gestão florestal, desordenamento do território. É a balbúrdia do eucalipto, plantado em todo o lado para alimentar a fileira do papel.
Há razões para as ignições, como é óbvio: as alterações climáticas provocam fenómenos meteorológicos extremos e em alguns casos há mão criminosa, noutros há negligência. Mas se as ignições não tiverem pasto para se alimentar não há incêndios, pelo menos da violência dos que tivemos neste mês de setembro. Ou seja, se a nossa floresta não for um enorme barril de pólvora. O problema é que é.
Portugal é o país da Europa com mais área plantada de eucalipto (5º país a nível mundial). Cerca de 10% de todo o nosso território (ou qualquer coisa como 25% de toda a nossa floresta) é eucalipto. Em muitos locais são manchas ininterruptas que se estendem por quilómetros, que estão na berma das estradas, que rodeiam as aldeias… E a Zona Centro é aquela onde a mancha de eucalipto é mais extensa. A zona Centro: onde a violência dos incêndios se faz sentir cada vez mais. Coincidências? Só para quem não quer ver.
Portugal precisa de ordenar e gerir a floresta. Enquanto isso não acontecer, enquanto ela continuar subjugada aos interesses da indústria do papel e não se promover a descontinuidade de manchas de eucaliptais e a plantação de outras árvores; enquanto se olhar para o lado para não afrontar os interesses económicos, muitas vezes rentistas; enquanto não se falar de como parar com a balbúrdia florestal e a monocultura que substituiu a floresta autóctone… Enquanto não se fizer isso teremos, ano após ano, os incêndios à nossa porta. Em Sever do Vouga, Arouca, Albergaria, Águeda, Vale de Cambra, Oliveira de Azeméis… Como tem acontecido todos os anos.
Para não voltarmos a viver dias debaixo de nuvens de fumo e de cinza. Para não voltarmos a lamentar a perda de habitações e de vidas, há que fazer a discussão que muita gente não quer que se faça: a da propriedade, gestão e ordenamento da floresta portuguesa.
Porque arde o país? Porque o estado da sua floresta o faz arder. E porque há quem queira manter a floresta nesse estado.

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