Opinião

iDeputado 2023

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No mundo em que vivemos, um professor português de uma universidade californiana, sentado numa pequena sala no Alentejo, ensina física quântica a um aluno nos confins da Austrália. Com a aplicação ISS Live Now, observamos a Terra no nosso telemóvel, vista a partir da Estação Espacial Internacional. Meia dúzia de cliques bastam para recebermos, em poucos dias, uma encomenda de sapatos ou de mobiliário fabricados no outro lado do mundo. E, graças a poderosos algoritmos de tradução, lemos em português praticamente todas as constituições do mundo, bem como milhares de artigos de ciência política sobre sistemas de representação. Mas não podemos escolher a pessoa que consideramos mais capaz para nos representar na Assembleia da República.
Talvez seja essa a razão pela qual todas as eleições portuguesas desde que o iPhone foi lançado em 2007 tenham tido menos de 60% de participação. Um sistema político desenhado com punhos erguidos (esquerdo e direito) nos anos 70 do século passado tem necessariamente que se adaptar a uma sociedade onde o nosso polegar manda.
E foi isso mesmo que, de forma visionária, o nosso sistema político reconheceu em 1997. Com a 4ª Revisão Constitucional, há 24 anos, o nº. 1 do Artigo 149 da Constituição passou a ler assim: “Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade (...).”.

Infelizmente, as centenas de deputados eleitos desde então revelaram-se incapazes de reformar o seu próprio sistema de eleição através da aprovação de uma nova lei eleitoral que cumpra a Constituição. Continuamos, assim, a viver com um sistema que mais não é do que uma homologação das listas de candidatos a deputados, decididas pelas direções dos partidos, e à revelia do consenso constitucional.
Essa inércia interesseira acelerou uma metamorfose do nosso sistema de governação – e bem irónica: em cada eleição deparamo-nos, de facto, com a escolha uninominal do Primeiro-Ministro, concentrando nele e por essa via a maior parte dos poderes públicos, explícitos e implícitos. Ora, esta realidade incontornável da nossa vida política não tem sustentação na Constituição. Não reflete os desejos constituintes de 1976, bem pelo contrário. Nem reflete nenhuma discussão constitucional que tenha ocorrido nos últimos 40 anos.

João Ribeiro subscreve a reforma eleitoral proposta pela SEDES

Esta perversão política é agravada pelo atual sistema de eleição de deputados. Se os candidatos a Primeiro-Ministro são os líderes dos Partidos, e se os principais lugares elegíveis nas listas de deputados são decididos por estes, é fácil compreender como a constituição está a ser subvertida, senão mesmo abusada. Mesmo sem eleições marcadas, todos conseguimos dizer o nome de futuros deputad@s. Eles e elas já estão eleitos a anos de distância e independentemente do que façam até lá. Típico de um sistema aristocrático, mas impróprio de democracias e repúblicas modernas.
É assim razoável concluir que a nossa democracia funciona em termos para-constitucionais, prejudicando a legitimidade do sistema e enchendo o balão de oxigénio para soluções políticas extremistas e sebastiânicas.
Neste contexto, é muito importante que a sociedade civil, cada um de nós, apoie o debate público lançado pela SEDES e APDQ com uma proposta de Reforma do Sistema Eleitoral. Uma solução equilibrada que contempla um círculo nacional com listas plurinominais (à semelhança do que acontece hoje) e 105 círculos uninominais locais, onde escolhemos diretamente as pessoas que pretendemos como nossos representantes. A proposta não carece de Revisão Constitucional. Pode ser imediatamente aprovada pela Assembleia da República e entrar em vigor antes das eleições legislativas de 2023. Basta que PS e PSD cumpram aquilo que está escrito nos seus programas eleitorais de 2019. Com base nos quais elegemos 2/3 dos nossos atuais deputados.

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