1. Debate-se hoje no Parlamento o Estado da Nação. Vamos assistir ao confronto entre dois países. Do lado do Governo, o país da confiança e do otimismo; do lado da oposição, o país do pessimismo e da descrença. É quase sempre assim. O país a preto e branco. E, todavia, a situação que se vive hoje em Portugal merece uma reflexão mais séria.
Do ponto de vista financeiro, o país está na boa direção. Só por sectarismo não se reconhece esta evidência. Aqui há mérito do Governo. Portugal está a caminhar para ter no final deste ano uma dívida pública em percentagem do PIB abaixo do de França. Isto é uma mais-valia inestimável. Significa que o país está, pelo menos nos próximos anos, a coberto de novas bancarrotas. Mais protegido e mais credível. Claro que o Governo tem uma grande ajuda da inflação, que faz aumentar brutalmente as receitas do Estado. É verdade. Mas também é verdade que tem o mérito de não estragar o que não deve ser estragado.
2. Os problemas sérios, onde a falha do Governo é grande, são no plano da economia e no plano social. Socialmente, a situação é muito difícil. No custo de vida que não para de aumentar. No crédito á habitação transformado em pesadelo. No acesso á saúde que é um drama cada vez maior. Dir-se-á que tudo isto é consequência da guerra ou da inflação. Essa é apenas uma parte da verdade. Há uma outra verdade inconveniente a recordar. O caso da Saúde é emblemático: as listas de espera aumentaram; o número de utentes sem médico de família subiu exponencialmente; os seguros privados de saúde cresceram, por falta de alternativa no SNS. Aqui, como na Educação, a culpa não é da guerra ou da inflação. A culpa reside apenas em oito anos de desleixo e incompetência.
Economicamente, continuamos a ser um país sem ambição. A economia cresce pouco, abaixo dos países do leste europeu. Em consequência, os salários não sobem, os jovens mais qualificados emigram em busca de vida melhor, as pensões de reforma, apesar de atualizadas, continuam uma miséria e o combate à pobreza é altamente deficiente.
Apesar de termos hoje condições excecionais para pôr a economia a crescer mais. Temos estabilidade. O Estado dispõe das maiores receitas fiscais de sempre. E o país nunca teve um volume de fundos da UE tão grande como atualmente.
3. Portugal é hoje um país mais desigual do que nunca: o Estado está bem porque está cheio de dinheiro; a Nação está mal porque lhe falta governação eficaz. Falta uma estratégia para resolver o problema da falta de mão de obra, o problema central das empresas. Falta uma estratégia para baixar impostos e ajudar dessa forma a aumentar o poder de compra das pessoas. Falta uma estratégia para pôr a economia e os salários a crescerem, estancando a emigração dos jovens mais qualificados. Falta uma estratégia para salvar o SNS. Falta o essencial: objetivos, ambição e capacidade. Assim, a pergunta é legítima: afinal, para que serve a maioria absoluta?
*Advogado e comentador político