Opinião

Onde estavas no 25 de Abril?

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O que é que tem a ver esta pergunta com o grande Herman José? Bem, num dos seus sketch, ele tinha um com este nome... Como nunca ninguém me fez esta pergunta, resolvi fazê-la a mim mesmo. É como um exercício de auto- hipnose. Sentamo-nos num cadeirão, esticamos as pernas e reclinamos a cabeça. Fechamos os olhos e deixamo-nos levar ao sabor do tempo. Parei no ano de mil novecentos e sessenta e um. Bem, se não parasse, corria o risco de ainda ir parar à barriga da minha mãe.
Mas porquê mil novecentos e sessenta e um? Bem, lembram-se do vinte e cinco de abril? Tem tudo a ver. É que foi em sessenta e um que teve início a chamada guerra colonial, ou do Ultramar, ou das ex-Colónias... As pessoas estavam saturadas de serem exploradas, escravizadas e outras coisas “adas”. Aliás, é uma coisa que por aqui não somos capazes de fazer, continuamos a ser enganados por promessas vãs, é só lembrar as recentes eleições... Vamos esperar sentados que eles cumpram.
Por aquela altura, início dos anos sessenta, todos os jovens, como eu, começaram a ser mentalizados que a guerra estava à espera de nós, para combatermos em nome da Pátria. Pela minha parte, passaram-se dez anos, convocaram-me para me apresentar num quartel, deram-me uma arma G3, um curso intensivo de guerreiro e enviaram-me para Angola. Queremos três anos da tua vida, esquece a família, aliás não tenhas muita esperança de que a voltes a ver. Esquece sonhos, esquece amigos, esquece projetos, esquece mesmo quem és. Lembro-me que até criei um nome para o meu corpo: Kilovikitch, eu sou o Kilovikitch! Os meus escritos tinham esse nome, esse nickname (em inglês é mais pomposo). Angola, um país fantástico! E os angolanos eram mesmo nossos irmãos. Então, quando sabiam da miséria que cá pela pátria se vivia, conseguiam ser solidários connosco assim como nós aprendemos a ser solidários com eles.
Estávamos em Carmona, no Uíge, no batalhão de caçadores. Estávamos na messe, quando o “cripto” chegou e nos informou de que algo tinha acontecido em Lisboa. Mas, só passados alguns dias se começou a falar de revolução. As informações demoravam a chegar, apenas sabíamos que o poder tinha sido tomado pelos militares. A guerra não acabou e os meses foram passando... abril, maio, junho, julho!

O basquetebol em tempo de guerra...

No dia que seria o meu último dia em Carmona, corria o início do mês de julho, tinha de ir para o Negage para vir de avião para Luanda, quando um grupo do batalhão, ao ir dar apoio logístico a um grupo que estava num aquartelamento afastado da cidade e que de uma forma despreocupada, ou melhor dizendo, sem as devidas precauções guerreiras, sofreu uma emboscada, morrendo seis militares. O meu amigo Chico salvou-se. Chico Gameiro, ainda hoje tenho o teu “Assim Falava Zaratustra”, continua a ser o meu companheiro desta viagem a que chamamos Vida. Nós estivemos lá! Cinquenta anos depois, esforçamo-nos para não sermos apanhados novamente por aquele inferno... Bem, neste momento fui apanhado por uma comoção, recordação, depressão... isto passa! Só peço que se não nos querem dar nada, por favor, não façam promessas de coisas que nem sequer sabem do que estão a falar.
Na música, todo o ano, todos os anos, e não só em Abril ouçam o Zeca Afonso e ouçam o que ele ainda tem para vos dizer.
Nos livros, bem, nunca vos falei deste filósofo , que tem sido para mim um bom companheiro, para bons e maus momentos, e, muito tem contribuído para a minha saúde mental. Fala-vos de Frederico Nietzsche e leiam “Assim Falava Zaratustra”.
O meu desejo é que o 25 de Abril contribua para que definitivamente a pobreza e a miséria seja erradicada da nossa sociedade. E que o serviço militar seja para quem o quiser fazer e tenha condições para o ser.

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