1. Quando surgiram as vacinas, no fim de Dezembro, foi um corrupio de Ministros a aparecer nas televisões, assistindo ao início da vacinação em vários hospitais. Já o mesmo tinha sucedido antes, com a vacina da gripe. O objectivo, diziam, era sensibilizar a população para a necessidade da vacinação. Agora, no momento em que alguns políticos começaram, eles próprios, a ser vacinados, já ninguém quer aparecer perante os media. Todos se escondem, todos querem ser discretos, ninguém quer protagonismo. Mandam dizer que já não é necessário promover a vacinação. Em boa verdade, do que falamos é de uma desculpa de mau pagador. O que ninguém verdadeiramente quer é exibir que, por ser político, tem uma prioridade na vacinação. Não há comportamento mais detestável do que este – a falta de coragem para assinalar uma prioridade que não é um privilégio, a forma envergonhada de se assumir aquilo que se é, quase a ideia de que ser-se político é mais uma forma de cadastro que um exercício de serviço público. É assim que se forjam e reforçam os populismos. Pelo medo de agir, pelo receio de ser-se frontal, pela vergonha de se assumir a transparência, pelo cinismo e pela contradição, pela falta de ousadia de se dizer que a política, quando exercida com seriedade e espírito de servir, é das actividades mais nobres que o cidadão pode exercer.
2. Antes da pandemia, o discurso oficial é que na economia tudo ia bem: o PIB a crescer, o défice a baixar, a dívida a reduzir-se em percentagem da riqueza nacional. Tudo descrito de modo empolgante e pintado num cenário idílico. Quem dissesse que não era bem assim era logo apelidado de anti-patriota. Como não é possível enganar toda a gente durante o tempo todo, caiu a máscara e começou a ver-se a verdadeira realidade. Os exemplos abundam. Apesar de sermos um dos países mais fustigados pela pandemia, somos um dos Estados que menos abrem os cordões à bolsa para apoiar os fustigados pela crise económica e social. Tudo para não afectar em demasia o défice orçamental. Apesar de termos muitos milhões de euros de empréstimos à nossa disposição no âmbito da Bazuca Europeia, a juros historicamente baixos, para financiar a nossa recuperação económica, quase não recorremos a eles. Porquê? Para não sobrecarregar a dívida pública. Apesar de estarmos num dos momentos em que mais se justifica a intervenção pública, para acudir aos mais vulneráveis, o que vemos é a insistência em mais cativações, novas cativações, cada vez mais cativações. Como se a troika tivesse já saído de Portugal, mas Portugal ainda não tivesse saído do espírito da troika.
Importa, então, perguntar: mas então o défice não estava controlado? Mas então a dívida pública não tinha reduzido? Mas então a economia não era um exemplo à prova de bala na Europa? Adaptando um conhecido provérbio popular é caso para dizer: “mais depressa se apanha um demagogo que um coxo”. É sempre assim. É sempre uma questão de tempo. A verdade é um tribunal implacável.