Opinião

O Último livro do Tiago Moita - “O Ensaio sobre o Fim do Mundo”

• Favoritos: 59


Tiago Moita, poeta e escritor sanjoa­nense, apresentou na Biblioteca Municipal de S. João da Madeira, em 4 de outubro último, O Ensaio Sobre o Fim do Mundo. Trata-se de um romance distópico, inspirado no Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago, obra-mestra do nosso Nobel. Sobre este tema, o autor não podia encontrar melhor inspiração. O seu livro narra a saga de um grupo de pessoas que têm de enfrentar um “apagão global”, em que se testa os limites da sobrevivência, e a vida se torna caótica e trágica, própria de um fim do mundo. A aventura é liderada por Xavier, de um leque de doze personagens, sendo de destacar Angélica, uma criança muda, dotada de uma natureza celestina, que é a narradora misteriosa do livro, e talvez uma das suas personagens mais importantes.
A narrativa recorre frequentemente ao fantástico para se tomar de uma modulação exótica e criar uma atmosfera surreal. Explora temas existenciais, que procurem iluminar o sentido à vida, abordando questões espirituais em que a ciência é chamada a racionalizar. Mescla a ação de referências históricas, científicas e imateriais, apelando à necessidade de termos uma visão mais ampla do universo, holística. Transporta consigo uma corrente caudalosa de mensagens, visando contrariar a atual visão materialista do mundo. A jornada, que ele realiza percorrendo a História, é uma intrépida aventura, propícia a uma transformação interior, transporta-nos para outros estádios evolutivos de consciência, tratando os temas, frequentemente difíceis, de forma acessível e inspiradora.
Todavia, o livro não está imune a reparos. As personagens são lançadas em catadupa, demorando a ser caraterizadas: temos os nomes, mas não sabemos quem são. E depois, quando se aparecem, surgem um tanto estereotipadas, unidimensionais, carecidas de um maior tratamento fisionómico e psicológico. As discussões filosóficas e as longas incursões que faz pela História e pela cultura, a intermediar o enredo, são demasiado exaustivas, descritivas, quebrando o ritmo à narrativa. Há um excesso de referências históricas, científicas, filosóficas e artísticas, algumas vezes forçadas, que servem mais para demonstrar a erudição do autor que para alimentar a própria narrativa. Só na página 324 são citados os nomes de 35 autores. O livro parece ter pretensões didáticas, e das mensagens e lições que pretende transmitir, que se admite que sejam questionáveis, algumas são um tanto óbvias.
Mas não valorizemos demasiado estes reparos. Eles não retiram o brilho que o livro possa ter, pois estamos perante uma obra extraordinariamente bem escrita, preclara e fluida, quase dispensando sinais gráficos, de grande valor literário e humanístico. O epílogo é grandioso! Quem é este homem que se arvora a falar em nome de Deus? José Saramago, à sua maneira, já o tinha feito em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, mas não acreditava n’Ele, agora Tiago Moita, inspirado neste autor, parece acreditar. “Eu sou o Verbo, não um substantivo”, escreve ele na página 465, e a maneira como o faz revela que já pensou muito sobre o tema: não vê as coisas apenas pela aparência. Usando uma linguagem às vezes hermética, fala-nos com sabedoria de numa Ordem Natural das Coisas, e de uma Metafísica Existencial.
Concluindo, o Ensaio sobre o Fim do Mundo de Tiago Moita é um romance ambicioso e desafiante, que combina ciência, filosofia, arte, literatura e espiritualidade para nos inspirar reflexões profundas sobre a condição humana e perspetivar o futuro da nossa espécie. Através de uma trama envolvente e personagens heterogéneas, o autor convida-nos a questionar as nossas crenças e paradigmas, a vislumbrar a possibilidade de uma nova consciência planetária. A obra, que recorre a um saber enciclopédico, perpassa de um lado a outro toda a civilização ocidental, cumpre o propósito de elevar a discussão sobre o sentido da existência, e de apontar caminhos para a transformação individual e coletiva. É um livro que requer algum esforço reflexivo do leitor, porque não se fica pela superfície da realidade. Destacam-se a sua originalidade, profundidade e capacidade de nos fazer refletir.

 

59 Recomendações
400 visualizações
bookmark icon