Terminou a magia
Não houve “magia” para aprovar o Orçamento Geral de Estado (OGE) e os comentadores, sem quererem, mostraram como são pouco assertivos na análise da “esquerda do PS”, em particular do PCP.
Até uma semana antes da votação, os fazedores de opinião garantiam que o orçamento seria aprovado porque o PCP, o PEV e o BE tinham medo de ir a eleições e, por isso, face aos “avisos” do Presidente da República (PR), iriam viabilizar o OGE. “A esquerda do PS está a encenar” - diziam.
Enganaram-se redondamente! Não percebem quais os conteúdos e as diferenças de contexto, relativamente a anos anteriores.
Entre 2015 e 2019 havia necessidade de reverter a política de cortes (nos salários, nos subsídios de Natal, nas pensões, nos apoios sociais, etc), de anular aumento de impostos sobre o trabalho e de repor vários direitos confiscados por Passos Coelho e pela troika (como os feriados e outros mais). Depois, em pleno pico da pandemia, houve um conjunto de medidas que justificaram a viabilização do orçamento (como o Layoff a 100%).
Após as autoridades de saúde garantirem que a pandemia está controlada e do primeiro-ministro anunciar a vinda de vultuosos meios financeiros (“a bazuca”), era dever da esquerda reclamar por soluções para o país. A discussão do orçamento era um momento importante para o fazer.
Não é verdade que o PCP tenha estado a arranjar desculpas para rejeitar o Orçamento. Seria inaceitável, neste preciso momento, não discutir temas como: o Serviço Nacional de Saúde; as pensões e a pobreza entre os idosos; wo desenvolvimento económico; os salários; o direito à habitação; a mobilidade e os transportes públicos; o apoio às pequenas empresas; a justiça fiscal; o aumento da produção nacional, etc. O OGE não podia ser uma peça discutida à margem do desenvolvimento geral do país e, desde o início das negociações, o Governo e o Partido Socialista tinham aceitado discutir estes assuntos com o Partido Comunista Português.
É falso que o PCP tenha tentado impor ao PS o seu programa. Foram colocadas algumas respostas urgentes mais imediatas a problemas inadiáveis. Muitos eram bandeiras do PS na oposição e outros, como na área laboral, consistiam em repor leis para o tempo em que o PS era Governo.
O PS diz ter respondido como nunca às reivindicações do PCP, mas tal não aconteceu. A ausência de vontade para promover soluções que fixem profissionais do SNS através da dedicação exclusiva, a incapacidade de revogar a caducidade dos contractos colectivos de trabalho, de actuar para garantir o direito da habitação, a ausência de respostas à fixação de professores, a não contratação de auxiliares de educação, são clara prova de quanto fica por fazer.
Morte matada
O PR decidiu, previamente, “esclarecer” o que faria se o OGE fosse reprovado. A Lei dá-lhe poderes para dissolver o parlamento e convocar eleições, depois de consultar os parceiros sociais e os partidos e de reunir o Conselho de Estado. Marcelo fez tudo ao contrário. Primeiro decidiu ameaçar dissolver, a seguir anunciou a dissolução e, só depois, consultou os parceiros e partidos e convocou o Conselho de Estado.
Foi nesta conjuntura que o primeiro-ministro se apercebeu que o vento estava a seu favor. Face às guerrilhas internas do PSD e do CDS, o Presidente da República ofereceu-lhe uma oportunidade suprema de conseguir a maioria absoluta. Não será provável que volte a ter outra assim. As eleições são, neste momento, o que mais lhe convém.
A “esquerda do PS”, segundo os mais reputados comentadores, está condenada a ser castigada nas eleições e a direita, de calças na mão, não vai poder reagir.
Isto explica a inflexibilidade do Governo, para negociar o Orçamento com o PCP, com PEV e com o BE. Isto está bem reflectido no discurso do primeiro-ministro no final do debate do OGE na Assembleia da República. Isto mostra a razão que levou o leader do PS a matar a geringonça. António Costa já não está em 2015 - quando precisou da esquerda para sobreviver. Com eleições, e tudo a correr em seu favor, pensa ele, pode libertar-se para sempre da esquerda. É um bom jogador, sabe fazer bluff como poucos, e, de imediato entrou em campanha eleitoral para conquistar a maioria absoluta. Fazemos figas para que não consiga!