1- Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito com expressivos 60,7% dos votos dos Portugueses. Ganhou em todos os Concelhos do país e em 99,7% das freguesias, coisa nunca vista.
O Presidente da República classificou-se a si próprio como sendo um homem da direita social. Recebeu votos dos eleitores de direita (a extrema direita não lhe deu o voto) e da esquerda socialista moderada. Não teve os votos dos extremos, nem à direita nem à esquerda. Significa que nestas eleições ganhou a moderação e perderam os extremismos.
Os Portugueses não querem os extremos a mandar. No entanto, o nosso sistema eleitoral permite que os extremos partilhem a governação do país. Foi o que aconteceu abertamente no primeiro governo de António Costa, onde o BE e o PCP condicionaram decisivamente a ação do governo e é o que, mais disfarçadamente, se passa no atual governo, onde o PCP impõe linhas vermelhas que os socialistas não podem transpor.
Imagine-se agora que nas próximas eleições legislativas o PS ganha as eleições mas a soma do PSD e do Chega alcança a maioria dos deputados. O resultado poderá então ser um governo com a presença da extrema direita, a seguir a um governo fortemente condicionado pela extrema esquerda. Foi este o caminho aberto pelo precedente inventado por António Costa em 2015.
Não falta quem defenda que há uma alternativa a tudo isto. Seria a formação de um governo do chamado bloco central. Esse governo até poderia ser uma solução no curto prazo. Mas, a seguir a esse governo, qual lhe sucederia? Como se garantiria a alternância no poder? Evidentemente que uma solução destas seria um presente aos partidos dos extremos, à esquerda e à direita, que facilmente recolheriam os votos de todos os descontentes do governo do bloco central.
E por que não um governo de iniciativa presidencial, como também há quem reclame? Trata-se de uma pura miragem. Um tal governo teria de ter a aprovação da maioria do Parlamento. Se houvesse uma maioria disponível para viabilizar um tal governo, então ela própria se encarregaria de o formar, dispensando a iniciativa do Presidente.
Em conclusão: os Portugueses mostraram não gostar de extremismos, preferindo a moderação. No entanto, com o nosso sistema eleitoral e com o precedente criado por António Costa em 2015, corremos o sério risco de perpetuar no governo do país os extremos do nosso sistema partidário.
2. Ainda bem que terminaram as eleições presidenciais. Quando o titular de um cargo entra em campanha eleitoral para a sua reeleição, ele fica condicionado e diminuído na sua capacidade de intervenção. Qualquer iniciativa tende a ser interpretada como campanha eleitoral. E evita tomar decisões que desagradem a uma parte do seu eleitorado, mesmo quando o interesse nacional recomendaria uma iniciativa.
Vem isto a propósito da gestão da pandemia. É já claro que o Governo não tem gerido bem a pandemia. Por alguma razão Portugal apresenta os piores resultados do mundo, em número de mortos e de infetados.
Foram os avanços e recuos do Governo e a falta de coragem para tomar decisões difíceis que nos conduziram a esta situação. António Costa optou pela sua estratégia habitual: esperar que o tempo resolva os problemas, empurrar os problemas com a barriga e resistir a dar más notícias. Só que o vírus não é sensível à habilidade do Primeiro Ministro para resolver problemas políticos. O vírus só é vencido através de firmeza e determinação, antecipando medidas em vez de as adiar.
Agora que o Presidente da República está liberto dos constrangimentos da campanha eleitoral, o país terá tudo a ganhar se ele tomar uma posição mais liderante. O discurso em que o PR anunciou o decreto de renovação do estado de emergência, na semana a seguir à sua eleição, parece já ir nessa direção. Usou uma voz de comando a fazer lembrar o mês de março de 2020, quando o Governo não queria a declaração do estado de emergência e o Presidente acabou por a impor.
É claro que não estou a sugerir que o Presidente se substitua ao Governo ou quebre os seus deveres de solidariedade institucional. Basta que guarde a devida distância do Governo e exerça vigilância sobre ele.
Ainda bem que o Presidente saiu das eleições com a sua legitimidade reforçada, já que o Governo aparenta ter cada vez menos força, menos coesão e menos iniciativa. Uma postura de exigência crítica do Presidente só favorece o bom desempenho dos governos.