Opinião

Incompatibilidades: O que faz falta

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1. Voltámos a falar de incompatibilidades, impedimentos e conflitos de interesses de governantes. É um tema cíclico. Vai e vem com facilidade. Os casos que o alimentam são normalmente diferentes entre si, mas os media e a opinião pública tendem a colocar tudo no mesmo saco. Servem de arma de arremesso político. Ajudam a vender jornais. E contribuem para minar a qualidade da democracia.
Este é o tema que maior hipocrisia gera na vida nacional. Quando estão na oposição, os partidos parecem grávidos de transparência. Advogam a maior transparência do mundo. Quando sobem ao governo, rapidamente mudam de discurso: afinal, as leis da transparência são absurdas, constituem forças de bloqueio, ajudam a reforçar os populismos. É a hipocrisia nacional em todo o seu esplendor.
Nesta como noutras matérias, há sempre dois extremos: a palavra dada e a palavra desonrada. A verdade necessária, primeiro, e a verdade conveniente, a seguir. É o tradicional tacticismo nacional. Tudo se trata pela rama. Quase ninguém quer discutir o tema com a seriedade que ele requer.

2. Se houvesse vontade real de resolver estas questões há duas coisas que inevitavelmente tinham de ser feitas: melhorar o escrutínio e reforçar a independência.
Primeiro, devia ser obrigatório que os membros do governo, antes de tomarem posse, se submetessem a um escrutínio parlamentar. Não o escrutínio parlamentar político. Esse já existe com o debate sobre a investidura do governo. Mas o escrutínio parlamentar para verificar se do passado pessoal e profissional de cada governante e do seu curriculum resultam ou não incompatibilidades reais ou potenciais, impedimentos ou conflitos de interesses. Um escrutínio que teria uma vertente ética e uma vertente legal. Um escrutínio como já existe nalguns países. Um escrutínio a que se submetem já hoje os Comissários Europeus. O escrutínio que permitiria detectar, antes do início de funções, se há incompatibilidades a registar. O escrutínio que permitiria, a tempo e horas, fazer correcções, tomar precauções para evitar conflitos de interesses, cessar actividades e cargos que geram impedimentos, reforçar as garantias de credibilidade para o exercício das funções governativas. Tudo seria positivo: dava tranquilidade ao governante, reforçava a confiança do cidadão nas instituições e acrescentaria qualidade à nossa democracia.
Depois, devia ser obrigatório existir uma Comissão de Ética no governo. Formada por personalidades exteriores ao governo, para que os governantes não julguem em causa própria. Para escrutinar e garantir, com independência, que no dia a dia não há conflitos de interesses que ensombrem o mandato governativo. Para assegurar que a política exige o cumprimento da lei, mas requerer também um comportamento eticamente irrepreensível. Afinal, a ética está para além da lei.
Será assim tão difícil fazer estas mudanças? Não, desde que haja vontade, seriedade e coragem. Exactamente o que tem faltado. No poder e na oposição.

NR: Na edição em papel este artigo saiu assinado por Manuel Castro de Almeida, quando devia ser Luís Marques Mendes. Aos visados as nossas desculpas.

 

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