Vivemos numa época digital ou já não vivemos sem o digital?
A grande maioria de nós já não vive sem algum tipo de tecnologia, seja o telemóvel, o computador ou tantos outros aparelhos que nos mantém, de alguma forma, ligados ao mundo virtual. Parece que não há como fugir à digitalização da sociedade, e isso não é, necessariamente, mau.
As novas tecnologias têm-nos trazido muitas coisas boas, a saber: a facilitação de processos que anteriormente, no mundo analógico, demoravam muito mais tempo; a proximidade que cria quando as pessoas estão a quilómetros de distância; o mercado tornou-se muito mais atrativo para o consumidor. Enfim, há um sem-número de vantagens que as tecnologias nos trazem e devemos saber tirar o devido partido delas.
Contudo, há uma grande desvantagem a que não estamos a dar o devido valor: o afastamento das pessoas que estão fisicamente próximas. Se, por um lado, há diferentes ofertas no mundo virtual para nos aproximarmos de quem está longe, como as vídeo-chamadas, por outro lado, o uso constante destes dispositivos eletrónicos cria um fosso entre as pessoas que estão lado a lado. Não será preciso um esforço muito grande para vermos pessoas na mesma mesa, sem falarem, simplesmente a mexer no telemóvel. Isto tanto se aplica a mesas com 2 pessoas, como a mesas de 6 ou 7 pessoas. A adição que a sociedade vive em relação a estes dispositivos, muito devido às redes sociais e à constante pressão de ver e saber de tudo o que lá se passa (como se fôssemos as senhoras à janela antigamente, sempre com ânsia de novidade e saber da vida alheia), está a tirar-nos humanidade. Há conversas que nunca são tidas, há piadas que ficam por contar, há lágrimas que ficam por partilhar porque a pessoa que temos à nossa frente não nos desperta o interesse que aquele ecrã nos oferece.
Se nos adultos a realidade é muito esta que vos descrevo, nas crianças o impacto pode ser ainda maior. Pois, ao contrário de os adultos que já viveram um tempo em que tudo era analógico, as crianças não conhecem outra realidade que não os ecrãs. Em casa não saem da televisão, do computador ou do telemóvel. Fora de casa, o telemóvel e/ou tablets retêm toda a atenção da criança. Seja à mesa na refeição, seja nos intervalos da escola ou quando estão à espera que os pais os venham buscar. Em suma, eles são os telemóveis e os telemóveis são eles.
O que é que nós, sociedade, podemos fazer?
No que respeita aos adultos, penso que a solução passará muito por campanhas de sensibilização. Já nas crianças poderemos ir mais longe. É evidente que também passará pela sensibilização dos pais ou encarregados da educação da criança, alertando para os perigos do uso excessivo dos dispositivos eletrónicos. Mas podemos agir de outras formas. Há uma medida que deveríamos aplicar em todo o país, porém o meu apelo aqui é para a aplicação da medida nesta cidade. Falo de uma medida que já foi tomada por, pelo menos, duas escolas de cidades diferentes (Santa Maria da Feira e Barcelos). A proibição do uso do telemóvel nas escolas pelos alunos. Penso que esta medida fará sentido, pelo menos, até ao 9.º ano de escolaridade.
Estaríamos não só a proteger o desenvolvimento saudável das crianças, fazendo com que elas falem e brinquem umas com as outras, como também o desenvolvimento das competências sociais que as crianças estão a perder. O isolamento das crianças durante os intervalos é assustador. Embora estejam fisicamente próximas, as crianças estão no seu mundo isolados com o telemóvel (não falam, não brincam, só estão a ver vídeos sem parar com conteúdo muitas vezes de cariz duvidoso). É dever dos adultos prezar pela proteção da criança e proporcionar-lhe um ambiente e ferramentas necessárias para um crescimento saudável.
Acredito que esta medida trouxesse alguma preocupação por parte dos pais, por não terem acesso fácil à criança quando querem falar com ela. Lembram-se de quando não tínhamos telemóveis e íamos aos funcionários pedir para ligarem para os pais? Tal é possível voltar a fazer. A ideia não é vedar o acesso dos pais aos filhos quando estes estão na escola. Pelo contrário, a intenção é fazer com que as crianças estejam mais ligadas umas com as outras e, quando precisarem dos pais, podem ligar pelos telefones da escola. Não há nenhum motivo contra esta medida que tenha valor igual aos benefícios que a sua aplicação teria.
Desta forma, apelo às altas figuras da cidade que atentem para este flagelo que cresce na nossa sociedade e que tomem medidas em conformidade com a finalidade de uma sociedade saudável e feliz.