Opinião

Hortalices - Um Damasco, dois damascos, três damascos

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“Damasco”, como muitas outras palavras portuguesas, é uma palavra polissémica, porque tem vários significados. Damasco, cidade síria, era, até há bem poucos dias, uma capital fechada e triste, martirizada por décadas de seca ditatorial. Mas há promessas de mudança. Vi ontem a imagem de uma mulher síria com flores na mão, manifestando, na rua, a sua alegria pela queda do ditador. Não sei se eram rosas damascenas, mas eram flores. Há cinquenta anos, nós festejámos com cravos, porque todas as flores têm o perfume da liberdade. Esperamos que as promessas de mudança tornem Damasco uma capital tão sedutora como os outros dois damascos: Damasco deriva da palavra aramaica DAMASKÓS, que significava “lugar bem provido de água”.
O segundo “damasco” é um tecido de grande qualidade, usualmente de seda, ornado em alto-relevo, originário da cidade que lhe deu o nome. Numa simples pesquisa virtual em palácios e igrejas portugueses encontramos “uma faustosa colcha de damasco verde, bordada a ouro”, “um Pontifical de damasco negro”, “cortinas de damasco encarnado” e encontraríamos muito mais, se continuássemos a procura. Há para todos os gostos.
Apesar da beleza da capital síria e da suavidade do tecido, o “damasco” que eu prefiro é o fruto do damasqueiro. Não sei o que nele me seduz, se a lisura da casca, se o sabor da polpa, se a facilidade de retirar o caroço, ou talvez todas essas qualidades juntas. Quando ele começa a aparecer no mercado, sou um dos seus primeiros clientes e não me canso de comer damascos.
Logicamente, o tecido e o fruto adotaram o nome de DAMASKÓS, cidade onde eram produzidos ou cultivados.
Mas o damasco deve ser uma das poucas frutas que têm direito a três nomes: além de “damasco” também se chama “alperce” e “albricoque”. Uma caraterística comum a muitas outras frutas é o facto de ser proveniente da Ásia, talvez da Arménia, ou da Pérsia. Quanto à palavra “alperce”, é provável que tenha origem no acrescentamento do artigo árabe “al” à palavra latina “persicu”, de onde proveio também a palavra “pêssego”. Neste caso, “al persicu” daria origem a “alperce”. O terceiro nome é “albricoque”, que proveio da palavra árabe “al-barqūq”, que também deu origem ao “abricot” francês e ao “albaricoque” espanhol.
Nestes “damascos” se cruzam culturas, línguas, realidades e viagens, retrato de um mundo que se fez de comunicações e intercâmbios, o oposto dos muros e dos ódios que vemos crescer à nossa volta.
Aproveitando o espírito do damasco, desejo a todos os leitores e à equipa de “O Regional” um Feliz Natal e um Bom Ano de 2025.

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