“Caminheiro, não há caminho / Faz-se caminho ao andar”, escreveu o poeta espanhol António Machado. “O caminho faz-se caminhando”, diz o povo. E se o caminho se faz caminhando, também é verdade que quem faz os caminhos é o povo.
O caminho que as crianças do tempo do meu pai percorreram, para atravessar a serra e ir à escola, foi desenhado e construído por aqueles que o palmilharam. Esse caminho já não existe. Poder-se-á pensar que o caminho desapareceu porque não ficou suficientemente calcado, pois as crianças andavam descalças. Mas não foi por isso, foi porque, calçadas ou descalças, as crianças deixaram de o calcorrear. Um caminho em que o povo não ande acabará por desaparecer.
Voltemos agora ao início desta crónica. Há lugares onde não havia caminhos, mas em que o povo precisava deles. Os arquitetos paisagistas e urbanistas planeiam belos relvados entre as ruas e bairros da cidade, mas esquecem-se, frequentemente, dos caminhos de que o povo precisa. Por vezes até fazem alguns, mas nem sempre acertam com o sítio, ou fazem apenas uma parte. Na zona em que habito, há jardins, relvados e uma pista que às vezes é um matagal. Mas os paisagistas esqueceram-se de alguns caminhos, ou fizeram só metade. Esqueceram-se do caminho para ir à padaria, do caminho da fábrica, do caminho para a horta ou para o estendal de roupa…. Nalguns casos, os construtores emendaram a mão e fizeram passadiços e escadas, onde antes apenas existiam caminhos espontâneos. Noutros casos, o povo vai caminhando e fazendo caminho, para que se confirme a teoria geral dos caminhos.
Nota: A primeira versão desta crónica foi escrita e publicada no Facebook, em 2022. Não sei se algum arquiteto da Câmara a leu, mas regozijo-me ao verificar que, nalgumas zonas da cidade, a autarquia está a “emendar a mão” e a construir caminhos onde o povo já tinha inventado os seus próprios caminhos, porque há sempre novos caminhos para inventar e novos caminhos para construir.