Opinião

Hortalices - Persas, iranianos, peludos e carecas

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O pêssego foi batizado pelos romanos, quando “Pérsia” era o nome do país que agora se chama Irão. Foi o Xá Mohammad Reza Pahlavi que decidiu mudar-lhe o nome, em 1935. A palavra “persicu” a tal fruta a que Camões chamou o “pomo que da pátria Pérsia veio” (Lusíadas, est. 58, C. IX), evoluiu para “pêssego”, devido a fenómenos de evolução fonética que me abstenho de mencionar aqui. Se a Pérsia tivesse tido sempre o nome que tem hoje, o pêssego teria agora o nome de “iraniano” e talvez estivéssemos a perguntar à vendedeira do mercado “a como está hoje o quilo de iranianos?” Mas, dada a situação que se vive naquela zona do globo, talvez a pergunta se prestasse a mal-entendidos…
Deixemos então os persas e os iranianos em paz e vamos ao pêssego. A segunda curiosidade que me chamou a atenção no pêssego foi o facto de haver duas grandes variedades, uma com a pele aveludada (seria exagero chamar-lhe “peluda”) e outra com a pele lisa (a que o povo chama “careca”). Para esta última, inventou-se o nome de “nectarina”, talvez como forma de não ofender os homens que não têm cabelo.... Mas são todas pêssegos, tanto as cinco variedades de nectarinas, como as vinte e uma variedades de pêssegos com pelo.
Além desta divisão capilar, há outra que tem a ver com a paciência dos consumidores de pêssegos: o problema dos caroços! Para quem tem bons dentes e gosta de roer, há variedades cujos caroços não se separam da polpa e, das duas uma, ou se tem paciência para escabulhar até ao último filamento, ou se deita fora o caroço com metade da polpa. Já os chamados “aparta-caroço” são muito mais fáceis de abordar, é só trincar e aí está o caroço fora do ninho. Feito o balanço, catorze dos “peludos” têm o caroço agarrado à polpa, enquanto os outros sete têm o caroço solto. Das cinco variedades de pêssegos “carecas”, três têm o caroço solto, enquanto duas o têm, total ou parcialmente, agarrado. É só escolher.
Linguisticamente falando, os franceses e os italianos, tal como os portugueses, foram buscar o “pêssego” à Pérsia, com mais ou menos alterações fonéticas, “pêche” e “pesca”, respetivamente. Os espanhóis arranjaram dois nomes que não devem ser persas nem iranianos - durazno e melocoton – cuja origem deixo à curiosidade dos leitores.
Mas estas coisas da linguística e da semântica têm muito mais que se lhes diga. No dicionário, a palavra “pessegada” começa por significar “doce de pêssego”. Bem bom, digo eu! Mas, logo a seguir, aparece outro significado, “confusão, evento de fraca qualidade”. Esta é a expressão que usamos quando saímos desiludidos do cinema, “o filme foi uma pessegada”. Que culpa terá o pêssego? - pergunto eu.
Se os meus leitores também acharem esta crónica “uma pessegada”, têm um remédio fácil: comam pêssegos, ou o doce que deles se faz!

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