Opinião

Hortalices - Os sabores de laranja  

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O brilho da casca dourada, a forma como a natureza lhe dividiu simetricamente a polpa, a variedade do seu sabor, fizeram da laranja uma das frutas que mais inspirou provérbios, lendas e poemas. É considerada a quarta fruta mais consumida em todo o mundo, e, apesar de haver quem diga que “de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata”, a verdade é que há por aí muita gente que desrespeita o provérbio e continua viva.
Falando de lendas, comecemos pelos nossos vizinhos de Arrifana, onde persiste a lenda da laranjeira que nasceu a dar laranjas doces, apesar de ser filha de uma laranja amarga, bênção da Rainha Santa Isabel que ali pernoitou, no seu caminho para Santiago. E os fenómenos não terão parado por aí porque, de vez em quando, alguma laranjeira arrifanense produz estranhas laranjas, como as quatro que reproduzo na foto, com a casca a lembrar uma coroa rainha; foram-me mostradas, há oito anos, pela D. Rosa, e redescobri-as agora no meu arquivo digital.


Ainda do lado da História, há laranjas que nos deixaram recordações muito amargas e nada milagrosas. Um dos casos em que a laranja foi amarga para os Portugueses foi durante a chamada “Guerra das Laranjas”, um conflito fronteiriço ocorrido em 1801 entre as tropas anglo-lusas e a coligação franco-espanhola. A falta de preparação do exército português, entregue em grande parte a generais estrangeiros, e sucessivos erros estratégicos deram um triste resultado: à cidade de Olivença poderá ter acontecido o mesmo que à laranjinha dos versos populares da Senhora do Almortão:

“Olha a laranjinha que caiu caiu
num regato de água, nunca mais se viu…”

Não transcrevo o resto da quadra, porque ainda há quem tenha esperança de voltarmos a ver Olivença…

“Minha laranja amarga e doce, meu poema”, como disse Ary dos Santos, pela voz de Fernando Tordo, numa canção que tinha no título um “cavalo à solta”, a lembrar-nos os dois sabores que podemos encontrar quando descascamos uma. Mas há quem as coma com casca, como terá sido o caso de Rui Veloso “Roendo uma laranja na falésia”, “aqui no lugar de Porto Covo”, lugar agora mergulhado na especulação imobiliária que quase fez desaparecer a aldeia piscatória. A laranja ficou amarga.
Como a relação entre as laranjas doces e as amargas está a ficar ligeiramente desequilibrado para o lado ácido, termino com um poeta insuspeito. Fernando Pessoa era um versejador nato e, de vez em quando, gostava de mergulhar a caneta no tinteiro para escrever versos tão popularmente desafiantes como estes:

A laranja que escolheste
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outra mo daria.

Seguindo esta lógica, o melhor é cada um escolher as laranjas que quer comer!

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