Se há autores portugueses que se caraterizam pela sua profunda ligação à natureza e ao campo, um deles é Miguel Torga, de seu nome de batismo Adolfo Correia da Rocha. Não sendo a vida de Torga um jardim, há na sua vida muitos jardins, uns feitos de plantas, outros de ideais.
O primeiro jardim de Torga floresce junto à casa paterna, em S. Martinho de Anta, lugar da “matriz sagrada da família”. Foi nas suas andanças campestres que ele pôde observar a maravilha de ver seu “…pai a erguer uma videira / Como uma Mãe que faz a trança à filha.” O antigo quintal da casa de seus pais transformou-o Torga num “jardim em festa. Azáleas, glicínias, rododendros, lírios, lilases, rosas, peónias. Um oásis de cor e de perfume plantado por mim e cavado por mim…”, como ele próprio confessou no Diário XII.
Andanças da vida levaram-no ao Brasil e a Coimbra, primeiro como estudante e, mais tarde, como médico, com consultório no Largo da Portagem. Mas a raiz continuou sempre agarrada aos penhascos de Trás-os-Montes. Quando a vida lho permitiu, montou casa nos altos da Cumeada coimbrã, na Praceta Fernando Pessoa. E também aí teria que haver um jardim, onde plantou um diospireiro, agora carregado de frutos quase maduros, e uma torga, a tal plantinha à qual ele pediu emprestado o nome literário que o notabilizou.
A torga é uma urze que brota do chão, como brotam as ervas e a água das fontes. É uma planta resistente com uma cepa avermelhada, maior do que se suspeitaria nas florinhas multicolores que lhe enfeitam as hastes. Quem hoje visita a Casa-Museu Miguel Torga, mantida aberta pela Câmara Municipal de Coimbra e por um grupo de amigos e admiradores do escritor, ainda pode encontrar um exemplar da planta, por ele trazida de terras transmontanas.
O outro jardim de Torga também nasce no campo, mas não é feito de canteiros com plantas, nem de retalhos de terra em pousio: é feito de Liberdade. Ferozmente perseguido pela ditadura, que lhe vigiava os passos mesmo quando viajava ao estrangeiro, continuou a ser um homem insatisfeito com o rumo que o país tomava após o 25 de abril. Indo buscar inspiração às suas raízes campestres, fez sempre questão de afirmar que a Liberdade e a Democracia só podem prosperar num chão feito de Verdade e de respeito pela Vida, “a vida é a última e mais intangível liberdade do homem.” Na vida e na obra de Miguel Torga podemos, hoje, descobrir a beleza que emana dos jardins, reais e ideais, que ele plantou e cultivou.